Mas há ainda um tipo de indisciplina que não diz respeito necessariamente a transgredir regras ou agredir colegas ou professores. É aquela indisciplina do burburinho coletivo e constante em sala de aula, aquele fuzuê diário, a famosa bagunça que normalmente deixa os professores completamente impotentes diante da turma, ou que os fazem estourar e perder as estribeiras. Nesses casos, é muito comum vermos esse tipo de indisciplina sendo controlada, ou “resolvida” por meio de punições direcionadas quase sempre a alunos alvos. Ou seja, ainda que o problema a ser resolvido seja de responsabilidade da turma, quase sempre a punição, que, nesse caso, tem uma intenção construtiva de servir de exemplo para que os demais se policiem quanto a seus atos, é injustamente direcionada àqueles alunos que comumente são pivôs de muitas das badernas.
No entanto, para além de buscar culpados ou responsáveis por esse tipo de indisciplina, o que nos parece fundamental é entender o porquê dela ser tão recorrente e tão difícil de ser sanada, a ponto de se tornar um dos principais fatores de estresse e descontentamento docente.
Essa discussão nos remete invariavelmente a outras que já foram tratadas aqui em módulos anteriores, sobretudo as que se referem aos sentidos atribuídos à escola pelos alunos. Estamos falando aqui da sociabilidade juvenil e dos múltiplos sentidos que os jovens atribuem aos espaços escolares. Ser aluno e ser jovem são duas dimensões distintas da experiência juvenil.
É justamente nesse âmbito, em que o sentido da escola se relaciona a um espaço de sociabilidade, que o choque com a disciplina exigida para a sala de aula acontece, ou seja, quando os burburinhos provocados pela interação face a face tornam-se incontroláveis, caóticos, intoleráveis. Alia-se ainda a essa situação o fato da cultura escolar dialogar pouco com a experiência juvenil, fazendo com que os jovens não encontrem espaço de valorização dos saberes compartilhados em sua comunidade.
A escola, por hipervalorizar os conteúdos escolares, assume a lógica disciplinar e vê qualquer manifestação de desacordo ou desinteresse como perda da autoridade do professor. A escola, em seus tempos recortados por disciplinas e pela sequência de conteúdos, exige uma concentração e uma rotina que são pouco flexibilizadas para incorporar outras lógicas e saberes. Qualquer manifestação de discordância com essa lógica é vista como desinteresse e indisciplina.
Ver a indisciplina como algo inerente às relações juvenis não significa, contudo, que devemos nos resignar a ela, é preciso criar mecanismos para utilizá-la enquanto aliada, e não inimiga. Se provocarmos discussões ou criarmos momentos nas aulas em que se permitam conversas, discussões, extravasamentos e as próprias zoações, talvez consigamos atribuir sentido ao que parece caótico.
É necessário entender que muitas das ações que a escola vê como indisciplina são manifestações da sociabilidade juvenil que usa de suas interações para trocar informações das experiências vivenciadas e, assim, consolidar relações de solidariedade e companheirismo entre os jovens.
ZOAÇÃO, BULLYING, BRIGAS... ISSO TAMBÉM É INDISCIPLINA?
Partindo então do fato de que a escola representa também um espaço de sociabilidade, e não apenas um local para se estudar, achamos pertinente refletir sobre como os conflitos, latentes ou explícitos, se dão nas relações entre colegas e amigos no ambiente escolar.
A que nos referimos quando falamos em zoação?
Em sua cidade, você já deve ter observado, por exemplo, que, em dia de jogo, quando duas grandes torcidas rivais se enfrentam, independentemente do resultado do jogo, uma torcida vai zoar a outra. Mesmo a que perdeu pode zoar o ganhador por um “frango” engolido pelo goleiro ou qualquer outro lance do jogo.
A zoação escolar é uma versão dessa zoação futebolística. Os alunos zoam os colegas para angariar simpatia e, assim, aumentar o seu círculo de amizades. Zoar é uma forma de impressionar e marcar território ao se diferenciar do restante. Assim como usar o boné da moda, ouvir uma música no mp3 e vestir uma camisa de determinado grupo musical, é fazendo parte da zoação que o indivíduo se diferencia dos demais, expressando seus gostos e desejos.
Zoar é, pois, uma maneira de caracterizar as manifestações da sociabilidade juvenil que podem ser entendidas pela escola como atos de indisciplina. Zoar seria, então, uma forma específica de estar nos espaços escolares em que os alunos dão vazão a seus interesses. Para eles, é possível zoar sem romper com as regras, pois zoar se dá nas lacunas deixadas pela escola para que eles interajam entre si.
Para o professor, portanto, muitas vezes, o zoar é visto como bagunça porque atrapalha a aula ao retirar o foco do conteúdo que está sendo dado. O que poderia ter sido mediado numa conversa torna-se um problema. E aí o que fazer? Como as regras disciplinares podem tratar desses embates?