O Movimento Anarquista

Você sabia que no início do século XX, existiu um movimento em vários países que procurava modificar a sociedade de maneira radical, combatendo o capitalismo e almejando a destruição do Estado e que era chamado de Movimento Anarquista? Os anarquistas consideravam os indivíduos como unidades independentes, capazes de produzir em uma perspectiva de autogestão, sem a sustentação política ou religiosa.

No período da primeira república (1889 – 1930), tal movimento foi impulsionado, no Brasil, principalmente, pela imigração italiana, recebendo a contribuição de intelectuais brasileiros e de imigrantes espanhóis e portugueses. Os anarquistas discutiam os valores tradicionais da sociedade e buscavam a transformação dos valores presentes na consciência do homem contemporâneo a partir de algumas ações, entre elas algumas no campo educacional. Mas, por que era tão importante para os anarquistas modificar também a escola?

Nesta época, existiam no Brasil aproximadamente 85% de analfabetos; devido a esse número, era difícil fazer circular a propaganda anarquista nos meios populares e operários, uma vez que esses setores eram os mais atingidos pela falta de escolarização. Para que as ideias anarquistas fossem divulgadas, muitas vezes tornava-se necessário que os jornais e boletins fossem lidos em voz alta para que os métodos de luta fossem apreendidos. Para eles, então, a ação educacional era imprescindível para a transformação das relações sociais e econômicas, com a intenção de instituir uma sociedade fraterna, igualitária e democrática.

A criação de escolas que seguissem o modelo pedagógico proposto pelos anarquistas era uma estratégia considerada importante na luta para a transformação profunda da sociedade. Nessa concepção, não adiantava implantar um novo tipo de governo ou modelo econômico, caso o homem não promovesse uma mudança radical nos seus valores. Por isso, a importância de se criar um modelo pedagógico baseado na liberdade e na igualdade, que eliminasse as relações autoritárias presentes na escola tradicional à época.

Um dos pensadores que mais influenciou esse modelo pedagógico foi o espanhol Francisco Ferrer y Guardia (1849-1909). Para Ferrer, a escola deveria ser frequentada por crianças de ambos os sexos, uma novidade naquele tempo, para desfrutarem de uma relação de igualdade desde cedo. A concepção burguesa de castigos, repressão, submissão e obediência deveria ser substituída pela ideia de formação do novo homem e da nova mulher, privilegiando a sua educação integral. Partindo desses princípios, são criadas escolas anarquistas no início do século XX: as Escolas Modernas no Brasil, no Rio de Janeiro, São Paulo, Porto Alegre e Belém do Pará. Nesse período, se acentuou o debate sobre o papel social e político da escola. Mas como era o currículo numa escola anarquista? Como elas se propunham a funcionar?

Em primeiro lugar, temos que compreender que, para os anarquistas, a escola era apenas um dos meios para educar o indivíduo. Tal concepção já extrapolava, e muito, o que se considerava o papel da escola: educar era mais do que apenas os processos de escolarização.

O projeto educativo das Escolas Modernas pautava-se na tríade: educação formal, entendida como aquela que é realizada na escola, através de conhecimentos sistematizados através de um currículo, com disciplinas estabelecidas; a educação informal, a qual abrange todas as formas e possibilidades educativas presentes no cotidiano; a educação não-formal, caracterizada por não fixar tempo e local, e ser flexível na escolha dos temas, embora possua perceptível organização, ao fornecer informações, provocar debates e reflexões.

As Escolas Modernas de São Paulo, desde a sua fundação, em 1912, já traziam novidades: atendiam meninos e meninas em turmas mistas. Sua proposta curricular abrangia leitura, caligrafia, gramática, aritmética, geografia, geometria, botânica, geologia, mineralogia, física, química, história, desenho, datilografia, entre outros conteúdos. Para as meninas, além de todas as disciplinas mencionadas, era oferecido o curso de costura e de bordado. Também eram realizadas excursões para que os alunos e alunas tivessem contato com a realidade cotidiana. O horário de funcionamento dessas escolas era assim organizado: Ensino Primário e Médio para crianças e jovens (das 11h às 16h) e adultos (das 19h às 21h). A escola era paga, diferenciando os valores das parcelas para alunos iniciantes e avançados, bem como para os adultos que frequentavam o curso noturno.

Outro aspecto que demarcava a diferença da proposta pedagógica das Escolas Modernas em relação às escolas de modelo tradicional era o incentivo à leitura e à produção de periódicos. Essa proposta era uma tentativa de preparar os alunos não apenas para o trabalho, como também para a reflexão e militância. Como exemplo, podemos citar o jornal, “O Início” que era editado pelos estudantes e apresentava as intenções da escola que era propiciar uma...

...educação aliada a uma instrução de acordo com a razão e a verdade (...) cultivar os sentimentos de amor pela paz, pela instrução, pelas letras e pela humanidade, fazendo despertar na infância o desejo de uma vida fraternal, humana, livre dos prejuízos, resultantes das convenções sociais. O Início, apud LUIZETTO, 1986, p.36 apud MARTINS (disponível em: HISTEDBR - Unicamp acesso em 04 de junho de 2010), p.10

Segundo Martins, para efetivar uma mudança de mentalidade, os anarquistas consideravam que era preciso unir diferentes atividades culturais, como: escolas, jornais, centros culturais e outras atividades, para conseguir transformar a sociedade.