Embora, por questões didáticas, utilizemos dois vídeos distintos, é importante dizer que não é possível pensar o campo e a cidade como se fossem duas coisas isoladas, independentes, desconectadas uma da outra. Ou seja, os territórios não estão fechados nas suas fronteiras. Eles se expandem por meio das sociabilidades e da mobilidade humana e, por essa razão, entendemos que os sujeitos que ali vivem não estão e nem devem estar parados, fixados no campo ou na cidade. Por conta disso, os sujeitos da nossa prática levam para o interior da escola identidades híbridas, ou seja, que contêm elementos diversos, que não estão definidas estaticamente, mas são construídas e reconstruídas cotidianamente, influenciadas pelo vai-e-vem dentro do território e entre os territórios (vai-e-vem de pessoas, de bens de consumo, de mercadorias, de informações etc.).
Vamos continuar essa discussão, explicitando o que entendemos por campo. Repare que, no vídeo, alguns jovens referem-se ao território onde vivem como “campo”; outros dizem “zona rural”; outros ainda dizem que vivem “na roça”. Essas nomenclaturas, em geral, são utilizadas como sinônimos. No entanto, carregam significados ideológicos bem demarcados.
“Roça” é um termo bastante utilizado pelos próprios moradores deste território, sobretudo em algumas regiões do país. “Campo” é mais utilizado por estudiosos e movimentos sociais do campo, em geral ligados às questões educacionais, em defesa de uma “educação do campo”, ou seja, uma educação pautada nos princípios, valores, necessidades e na diversidade dos povos do campo. Esse termo se contrapõe ao de “educação rural”, pautada nos princípios e valores do capitalismo agrário, do agronegócio, na suposta incapacidade e inferioridade dos moradores do campo e desconsiderando seus anseios, demandas, necessidades e os saberes que trazem para a escola.
Diante dessas três possibilidades, optamos por utilizar a terminologia campo, por considerarmos que o termo abarca a diversidade que caracteriza as condições de vida da juventude do campos brasileiro. A opção é política, porque a educação, como defende Paulo Freire, é um ato essencialmente político. Assim sendo, a educação para escolas do campo e para jovens do campo não pode ser reduzida a uma adaptação. São necessárias e urgentes práticas escolares apropriadas para os sujeitos desses territórios. Para entender melhor essa questão sugerimos a leitura do capítulo 01 do livro "Educação do campo: desafios para a formação de professores." Você pode obter informações sobre o livro no link: http://grupoautentica.com.br/download/capitulo/20100716151527.pdf.
O vídeo “Diz aí juventude rural – identidades” (Clique aqui para ver novamente) retrata diversos aspectos que caracterizam a condição juvenil no campo e a forma como os jovens se apropriam do território. Pensando nisso, vamos discutir alguns elementos que aparecem nesse vídeo e que nos mostram como os jovens do campo se apropriam do território como espaço de lazer e sociabilidade, de produção cultural, de trabalho, de vivência familiar, de produção de saberes, de construção de subjetividades etc.
Comecemos por dois elementos que são fundamentais da condição juvenil: o lazer e a sociabilidade, que, para os jovens do campo, podem ser vivenciados por meio do futebol, do jogo de truco e de encontros na casa dos amigos – como diz um jovem no vídeo: “fazer janta na casa de um amigo” (encontros que, em algumas regiões do Brasil, são chamados de “resenhas”); há também banho nos rios e cachoeiras, bailes e festas comunitárias e outras formas.
O mais interessante nesse aspecto é que, em muitos casos, os próprios jovens são produtores, organizadores e consumidores desses espaços e momentos, às vezes, apenas por diversão, às vezes, como uma forma de conseguir dinheiro para suas demandas. É o caso dos concluintes do Ensino Médio, que promovem bailes, bingos e outros eventos, unindo diversão e possibilidade de renda para a formatura.
Eles também se apropriam do território por meio do trabalho, seja no “serviço da roça”, como diz um jovem no vídeo, seja no trabalho doméstico, que, muitas vezes, nem é considerado trabalho por não ser uma fonte de renda. A escola precisa estar atenta a esses aspectos e saber reconhecer esse jovem na sua relação com o trabalho, tópico que você pode aprofundar no módulo deste curso sobre trabalho.
O vídeo também mostra como os jovens do campo percebem as relações de poder que caracterizam os territórios. Ser da roça, ser do campo, ser trabalhador rural, ser assentado são identidades que podem ser vistas como inferiores em contextos urbanos.
Repare que existem diversos aspectos que compõem essa identidade. Por exemplo, no nosso país, as nossas juventudes são marcadas por uma imensa diversidade, que se manifesta em aspectos, como a linguagem, os estilos musicais, os modos de vida, os tipos de roupa, os valores, ou seja, a cultura. Infelizmente algumas pessoas entendem o conceito de “cultura” de forma equivocada e, por conta disso, acreditam que uns têm cultura e outros não, ou que uma cultura é melhor que a outra. Por pensarem assim, alguns acreditam que os moradores do campo não têm cultura.
Vemos isso também entre os próprios jovens, com as culturas juvenis, no caso dos estilos musicais, só pra citar um exemplo, em que alguns jovens acreditam que hip hop é melhor que sertanejo, ou que quem gosta de MPB tem mais cultura do que quem prefere axé. Isso é uma visão equivocada do conceito de cultura. É o que chamamos de etnocentrismo, ou seja, quando alguém acredita que o seu modo de ser e estar no mundo é o correto, é o melhor, geralmente com uma postura unilateral. Você pode ampliar esse debate no eixo temático “Culturas Juvenis” deste curso.
O que vemos na juventude brasileira contemporânea é uma diversidade cultural e essa diversidade constitui uma riqueza de que a escola pode e deve se apropriar, reconhecendo e afirmando o direito à diferença, desmistificando qualquer hierarquia cultural e apresentando aos jovens outros universos, outras possibilidades. É nesse cenário plural e inclusivo, no emaranhado de relações, que se pode discernir – a partir das culturas – alguns elementos transversais, importantes para todos os sujeitos, como referência para os direitos, a qualidade de vida, a auto-afirmação e o exercício social das liberdades. Mas não se constrói sociedades, nem se educa adequadamente, se a abordagem for excludente, unilateral e negadora das diversidades. Educar para a diversidade e para o interculturalismo também é tarefa da escola e seus sujeitos. Observar e acolher o dinamismo dos territórios juvenis faz parte do olhar e ouvir os jovens alunos.
Por exemplo, os jovens do campo, em geral, preferem estilos musicais como o Sertanejo, o Modão, o Tecnobrega, a Moda de Viola, mas isso não significa que eles também não possam gostar de Rock, de Rap, de Funk - em geral, mais apreciados pelos jovens das periferias urbanas - ou mesmo de outros estilos musicais, como a Bossa Nova ou música clássica. Para gostar, é preciso conhecer!