Identificadas como um dos principais espaços de produção e reprodução de imaginários desumanizadores de determinados grupos étnicos e raciais, tanto por meio da estereotipização, quanto pela invisibilização das identidades tomadas como inferiores, as instituições escolares, sobretudo a partir da década de 1980, passaram a sofrer pressões intensas para a adoção de uma postura ativa de combate às discriminações e hierarquizações sociais.
O Ministério da Educação, que também passou a ser instado a adotar uma posição antirracista ativa, passou a desenvolver, a partir da década de 2000, uma série de ações e programas e produzir materiais didáticos voltados à (re)educação das relações étnico-raciais nos ambientes escolares. A criação da SECAD (Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade), no ano de 2004, também representou um esforço efetivo nesse sentido.
A promulgação da Lei 10639/2003, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana em escolas regulares de Ensino Fundamental, e das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, que orienta a regulamentação da alteração da Lei 9394/96, fortaleceram a importância das escolas e das práticas pedagógicas na transformação do triste cenário de discriminação racial que tem marcado a sociedade brasileira.
Além disso, a criação da SECAD e a elaboração desses dois documentos funcionaram como um importante estímulo para escolas e professoras(es) desenvolverem projetos e ações de combate ao racismo e de reeducação das relações raciais no ambiente escolar. Para outras escolas, no entanto, a Lei 10639 e as Diretrizes serviram como modo de consolidar as ações já desenvolvidas. Foi o caso do Colégio Estadual Guadalajara, localizado na cidade de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro. Desde o ano de 1999, o colégio possui um núcleo de cultura negra – o Núcleo do Guadá - que promove atividades de dança, música e esportes. No ano de 2009, o Programa de Ações Afirmativas da UFMG, o Observatório da Juventude da UFMG e o Observatório Jovem do Rio de Janeiro realizaram uma série de visitas ao Colégio e, como consequência, produziram um documentário intitulado “Se eles soubessem”.
EXPLORANDO MATERIAIS
O objetivo central da produção era revelar, por meio de imagens e depoimentos de professores/as e alunos/as do Ensino Médio, uma experiência escolar que aponta para o reconhecimento e valorização da cultura negra no espaço escolar, buscando perceber as repercussões desse reconhecimento na vida dos/as jovens entrevistados/as. | |||
De acordo com Makeba, animadora cultural do projeto Ibamô, vinculado ao Núcleo Guadá,
"... alguns professores começam a participar com a gente porque os alunos, em sala de aula, começam a questionar algumas coisas. Porque a gente não trabalha só a aula prática, mas trabalha muito com a história e com a teoria. De onde veio? Porque que veio? Como é que é? Então a gente foi quebrando algumas coisas que a gente estava acostumada a ouvir desde o jardim. Então, algumas brincadeiras eles já não aceitavam. Brincadeiras que antes incomodavam e eles riam, fingindo que tava dentro da brincadeira, em um determinado momento eles passaram a questionar este tipo de brincadeira. Não quero que brinque assim comigo..."
O depoimento da estudante Ednéia, participante do projeto, é ilustrativo do impacto das atividades realizadas no colégio em sua identidade étnico-racial:
"Eu pensava que a maioria das pessoas não dava valor para os negros. Eu tinha um negócio de não sair na rua, não gostava. E minha mãe me perguntava, porque você não sai? E eu falava: sei lá, minha cor e tal. Porque tinham muitas pessoas que ficavam falando: essa negrinha, que não sei o quê... Mas eu falava: mas é minha cor. Só que eu não falava pra eles não, eu ficava pra mim (...) Tudo era negrinha, qualquer coisa que acontecia. Ao invés de me chamar pelo meu nome. (...) Mas eu não ligava pra isso muito, só da vergonha que passava assim. Agora se me chamar de neguinha? Eu gosto da minha cor. Eu sou da minha cor e adoro a minha cor."
Ao serem implementados no contexto escolar, programas e projetos de reeducação das relações raciais, como é o caso do projeto Ibamô, têm a intenção de promover uma mudança de comportamento dos alunos e docentes (superação de estereótipos, diminuição de apelidos de cunho racista, maior sensibilidade com a injustiça) e possuem uma perspectiva afirmativa; no intuito de afirmar identidades antes negadas.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, apesar de afirmativas, essas práticas de reeducação das relações raciais na sociedade brasileira não estão dirigidas apenas à população negra, na medida em que podem oferecer aos negros conhecimentos e segurança para orgulharem-se da sua origem africana; e possibilitarão aos brancos, indígenas, asiáticos, etc., identificar as influências, a contribuição, a participação e a importância da história e da cultura dos negros no seu jeito de ser, viver e de se relacionar com as outras pessoas.
EXPLORANDO MATERIAIS
Experiência 1 - “O EMdiálogo é uma página eletrônica criada para estimular debates e socializar conhecimentos e experiências que contribuam para a melhoria do Ensino Médio público. O EMdiálogo tem como objetivo principal promover o diálogo crítico e propositivo sobre o Ensino Médio. Incentivamos que todas as pessoas que estejam envolvidas direta ou indiretamente, ou simplesmente interessadas nessa etapa de ensino, se expressem em nossos fóruns e registrem seus comentários. O portal abre espaço para a criação de comunidades autônomas. Que tal criar uma comunidade em torno de um tema de seu interesse? Não temos dúvidas de que outras pessoas também irão se interessar e chegar junto para animar a comunidade. Escreva e proponha a sua comunidade.” “Raça Humana” é o nome de uma das comunidades do EMdiálogo. Um interessante espaço para dialogar sobre as relações entre juventude e relações étnico-raciais. Clique aqui para acessar a comunidade no portal EmDiálogo Experiência 2 - O projeto A Cor da Cultura, parceria da Petrobrás, da Fundação Roberto Marinho, da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) e do Centro Brasileiro de Identidade e Documentação do Artista Negro (CIDAN), tem como objetivo colaborar para a valorização do patrimônio cultural afro-brasileiro e para a ampliação e educação das relações étnico-raciais de crianças, jovens e educadores, disseminando conteúdos teóricos e práticos sobre o tema, através de programas televisivos a serem exibidos em todo o país e do uso sistemático dessa programação em ações educativas, com distribuição de kits pedagógicos e capacitação de educadores de escolas públicas. Um dos programas do Projeto A Cor da Cultura é o Heróis de Todo Mundo. O outro é o programa Mojubá. O Programa Heróis de Todo o Mundo traça um paralelo sobre os diversos papéis que africanos e afrodescendentes assumiram na história do Brasil, trazendo-os como protagonistas dos acontecimentos, ao rever sua história e revelar a identidade de novos heróis. A série apresenta a biografia de 30 cidadãos brasileiros afrodescendentes, atuantes na cultura, na história, na ciência e na vida política do país. Tudo narrado por personalidades negras contemporâneas. “Heróis de todo mundo” é um excelente material áudio-visual para romper com a invisibilidade da população negra na história do Brasil e para promover a valorização da identidade negra no Brasil. |
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