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Os jovens e os diferentes sentidos do trabalho

A relação dos jovens com o mundo do trabalho não se estabelece de maneira igualitária. Além disso, os jovens se inserem no mundo do trabalho por motivos diferentes e dão a ele significados distintos. Para alguns jovens, como já mencionado, o período da juventude é um tempo de preparação, quando, em geral, as primeiras experiências se dão através de estágios e cursos de formação profissional, podendo a inserção no mercado de trabalho esperar um pouco mais. Além disso, em sua maioria, são os jovens de camadas mais elevadas que conseguem uma inserção através de suas redes de contato. Afinal, quem nunca ouviu falar do “QI”? O “QI”, ou seja, “quem indica” contribui favoravelmente para o primeiro contato de muitos jovens com o mundo do trabalho. Veja o relato de alguns jovens:

“Realmente o teste de QI né, como a gente fala, quem indica, está em todo lugar que você vai” (feminino. 17 anos)

“Acho que terminando o ensino médio, se você não tiver uma indicação de alguém fica um pouco difícil. Porque geralmente quando você vai pedir um trabalho em algum lugar eles pedem experiência ou sempre colocam uma barreira. Então se você não tiver alguém que te indica, fica meio complicado”. (masculino. 17 anos)

Por outro lado, para os jovens das camadas populares, muitas vezes, a entrada imediata e precoce no trabalho é a única alternativa. Para muitos, trabalhar possibilita a continuidade dos estudos e o acesso a bens e serviços, ampliando a vivência da condição juvenil. Dessa forma, acabam aceitando “qualquer coisa”, mesmo sendo uma atividade que não gostam de fazer. Assim, até os trabalhos vistos como mais “sacrificantes” podem representar uma oportunidade de experiência necessária para a obtenção de melhores empregos. É o que expressa este depoimento:

“A princípio acho que você não tem muito o que escolher, né? Você acaba sendo escolhido. Você às vezes pensa, fala: oh eu sou bom no que faço, mas tem muita gente que também tá querendo o emprego e também faz como você. Então não tem muita escolha!” (Homem, 17 anos).

Nem sempre os jovens se inserem no trabalho sonhado.  Muitas vezes, o que aparece é um trabalho informal, no qual trabalham muitas horas por dia, recebendo um salário baixo e submetendo-se a condições precárias. Nesse contexto, o trabalho vai perdendo o sentido de ser uma atividade com a qual nos identificamos e nos realizamos. As expectativas tendem a se voltar para aquilo que está “fora” do trabalho! Ou seja, o “bom” trabalho normalmente está associado àquela ocupação “com carteira assinada”, bem remunerada, com uma jornada menor, em condições adequadas etc.

Contudo, com as dificuldades de inserção no mercado de trabalho, muitos jovens se contentam em ter um “trabalho qualquer”, como se constatou em uma pesquisa sobre o trabalho juvenil:

“O ‘unir o útil ao agradável’ e o ‘fazer o que gosta’, mesmo que muitas vezes se transforme em ‘gostar do que faz’, não está ausente do ideal de trabalho dos jovens. (...) falar em trabalho ideal hoje, portanto representa, para a maioria dos jovens, o desejo de estar empregado ou, pelo menos, trabalhando”. (Lima, 2002, p.59)

Mesmo diante de todas estas questões, o trabalho ainda é uma dimensão importante na vida de todos, convivendo com outras esferas também cruciais da experiência juvenil. É nessa fase da vida que a preocupação com o futuro profissional aparece, junto com outras experiências e demandas. Além disso, o trabalho traz consigo significados diferentes para os jovens, ligados às experiências atuais e aos seus planos de futuro. Além de ser fonte de sobrevivência e geração de renda, o trabalho também é um espaço importante de sociabilidade, de produção de valores e construção de identidades. Ele adquire “centralidade no imaginário juvenil” e assume vários sentidos para os jovens, como indicam alguns autores.

 
 

O trabalho como um valor, diz respeito a um sentido moral, aliado à noção de dignidade. Alguns provérbios do discurso social que nos ajudam a entender este sentido do trabalho: “Trabalhar não é vergonha. É honra!” “O trabalho dignifica o homem!”; “O trabalho enriquece, a preguiça empobrece!”. O trabalho na perspectiva da dignidade ganha expressividade, por exemplo, entre os jovens homens casados como forma de prover a família de maneira honesta (CORROCHANO, 2002).

 
 
 
 

O trabalho também é visto como necessidade por muitos jovens. Como retrata a música de Gabriel Pensador:

Mais um dia de trabalho querido diário 
Eu ralo feito otário e ganho menos do que eu valho, mas necessito de salário que é bem menos que o necessário 
Hoje os rodoviários tão em greve por melhores honorários e eu procuro um que me leve 
Eu tenho horário 
Não posso chegar atrasado não posso ser descontado 
Se eu falar que foi greve meu chefe pode ficar desconfiado 
E se o desgraçado quiser me dar um pé na bunda eu vou pro olho da rua e rapidinho ele arruma outro pobre coitado 
Desempregado desesperado é que mais tem (olha o ônibus!!) Hein?
(“Pão de cada dia” – Gabriel Pensador)

 
 
 
 

Outros ressaltam o trabalho como instância socializadora e de sociabilidade. Muitos jovens associam este sentido de socialização à disciplina, maturidade e responsabilidade adquiridas através do trabalho. Como diz uma jovem:

“(...) acho que amadureci muito depois que comecei a trabalhar. Antes eu não dava muito valor para quem trabalha. Até meus pais eu passei a reconhecer mais pelo esforço que eles fizeram pra sustentar a gente. É, acho que o trabalho deixa as pessoas mais maduras, mais reconhecedora das coisas né. (GD)

Quanto à sociabilidade, os jovens pontuam o contato com pessoas diferentes. Muitos jovens dizem: “Odeio meu trabalho, mas adoro meus colegas de trabalho”.

 
 
 
 

Outra fala frequente entre os jovens diz respeito à independência pessoal. Essa dimensão aparece entre os diferentes grupos de jovens, independentemente de sua origem de classe, sexo, idade e cor.

A questão da independência é muito forte, pois, até certa idade, não se liga muito para ter o próprio dinheiro, mas, com a chegada da adolescência, sair com os amigos e com a namorada/namorado, comprar roupas novas, ter eletrônicos etc. passa a ser uma necessidade. Esse aspecto é muito ressaltado entre os mais jovens e solteiros.

Esse significado também é muito presente entre as jovens casadas, pois trabalhar possibilita sair da esfera doméstica, ser independente dos companheiros e até mesmo ampliar a socialização e sociabilidade, como afirma uma das jovens:

“Olha, não dá para ficar em casa todo dia passando, lavando, cozinhando, pedindo dinheiro para o marido. Trabalhar também serve para me distrair, fazer amizades, ter meu próprio dinheiro”. (CORROCHANO, 2002, p.11)

 
 
 
 

Temos ainda o trabalho como uma fonte de autorrealização. Na pesquisa realizada por Corrochano (2001), esse aspecto era citado por jovens mais escolarizados, solteiros e nascidos em centros urbanos. Sem a pressão imediata pela sobrevivência e com maior escolaridade, às vezes com formação técnica ou superior, eles atribuem ao trabalho o sentido de satisfação pessoal.

“O trabalho tem a ver com satisfação pessoal para mim. Eu quero fazer um trabalho que goste de fato, não qualquer coisa. Brigo muito com meu pai por causa disso. Ele acha que tenho que ficar aqui a qualquer custo. Eu não vou ficar, não estou feliz. Quando conseguir fazer faculdade vou sair, até antes disso se der.” (CORROCHANO, 2002, p.11)

 
 
 
 

Por último, mas não menos importante, o trabalho aparece como um direito, ou seja, o próprio direito de trabalhar e ter uma profissão. Esse sentido muitas vezes aparece referido à sua negação, principalmente entre os jovens desempregados, os que tiveram experiências no trabalho informal e que estão à procura de trabalho.

 
 

Nesse conjunto de sentidos, é possível perceber a importância do trabalho na vida dos jovens. Muitos jovens brasileiros depositam boa parte dos seus sonhos e projetos nele, mesmo que, muitas vezes, o desejo de ter “o trabalho dos sonhos” tenha que ser substituído pelo “sonho de ter um trabalho” qualquer.