“isso de querer ser exatamente aquilo
que a gente é ainda vai nos levar além”
Paulo Leminski
O modo como projetamos e idealizamos aquilo que esperamos para o nosso próprio futuro e o modo como investimos nisso é, invariavelmente, afetado pelo modo como lidamos com o tempo, e essa relação não é estática e nem unidirecional.
Na juventude, é muito comum nos sentirmos meio perdidos, sem rumo, sem perspectivas quanto ao futuro, ou mesmo angustiados com as escolhas cotidianas que temos que fazer. Investir nos estudos e continuar a depender dos pais ou ir trabalhar, mas ficar sujeito a uma inclusão precária no mercado de trabalho pela falta de escolaridade? Deixar de ir à balada pra estudar pra prova ou aproveitar todas as chances de diversão?
São essas pequenas escolhas cotidianas que possibilitam traçar diferentes percursos de vida, de futuro, ou seja, as ações e decisões do presente podem contribuir para os possíveis percursos de futuro. Planejar o futuro implica uma postura ativa diante da vida. Observe que é precisamente essa a crítica presente no questionamento que a Mafalda faz ao Miguelito na charge acima, afinal, se ele vai “ficar sentado esperando alguma coisa da vida”, é provável que nada lhe aconteça, uma vez que o percurso futuro depende exatamente das ações no presente.
Nesse contexto, a expressão “carpe diem” (aproveite o dia) tornou-se emblemática de uma geração que tende a ter uma relação completamente “presenteísta” com a vida, em que o mais importante seria aproveitar o aqui e agora, numa incessante busca por prazeres imediatos. Mas será que todo jovem pensa e age assim? Será que não seria um exagero tachar toda a juventude contemporânea de alienada, individualista e imediatista?
Podemos dizer que a contemporaneidade é marcada por ser dinâmica e transitória. O tempo de permanência de um jovem em um determinado emprego ou a duração de algumas relações amorosas, por exemplo, têm sido cada vez mais breves. Mudança parece ser, nesse contexto, a palavra de ordem do dia. Assim, as características desses tempos acabaram por limitar os planejamentos a longo prazo, tal como se fazia há algumas décadas atrás. Hoje em dia, parece difícil projetar e saber como estará nossa vida daqui a 5, 10 ou 20 anos. Os planejamentos, sonhos e projeções não deixaram de existir, mas estão cada vez mais relacionados a eventos e acontecimento de curtíssimo prazo: a festa do final de semana, a prova de amanhã, o encontro de hoje à noite. O ano que vem parece longe demais para se tornar uma preocupação do agora.
Os projetos, em sua maioria, não são pensados a longo prazo, mas nem por isso deixam de existir, eles são projetos pensados para a própria etapa de vida da juventude. No entanto, essa juventude agora, além de não ser vista mais somente como uma fase de transição, passa a ter um tempo de duração muito maior. Pense nos tantos jovens de mais de trinta anos que ainda moram com os pais, são dependentes financeiramente e levam a vida de forma não muito diferente da dos jovens adolescentes entre 15 e 18 anos.
No entanto, ainda que o presente tenha se tornado um referencial que toma conta da vida, preenchendo-a de forma a não deixar espaço para planos futuros, seria um equívoco reduzir toda a forma de viver do jovem a esse presente, ignorando as novas formas de lidar com o tempo e de investir no futuro. É por essas e outras questões que alguns autores que tratam desse tema dirão que estamos vivendo uma crise do futuro (veja o vídeo no Portal Emdiálogo), em que se configura um novo estado de ânimo juvenil com o qual se deve tomar todo cuidado a fim de não ser engolido pela velocidade com que as mudanças ocorrem, permanecendo-se atualizado, atento, ligado no que se passa para não perder as oportunidades que aparecem por aí, ou seja, esse contexto acaba por propiciar também novas formas de lidar com o tempo e investir no futuro.
Se, para os mais conservadores, a ideia de um “tempo líquido, onde nada é para durar” parece algo assustador, por que vazio de sentido, pouco estável e inseguro, para os jovens, pode existir uma dimensão positiva nessa rapidez e fugacidade com que as coisas acontecem. Por exemplo, se, por um lado, o dinamismo do mercado de trabalho representa uma dificuldade para a inserção e permanência dos jovens, por outro, ele pode ser potencializado no sentido oposto, que seria o de multiplicar as oportunidades. Ter um currículo recheado de experiências diversas, ainda que pouco duradouras, pode representar um ponto a favor na hora de uma seleção de emprego.
Nesse caso, o futuro representa uma gama de possibilidades indeterminadas, mas virtualmente possíveis. Resta aos jovens saber quais as melhores estratégias para transformar incertezas em recursos.
Quando você crescer
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Na música, “Quando Você Crescer”, composta na década de 1970, Raul Seixas ironiza o estereótipo construído em torno de um estilo de vida pequeno burguês aliado a padrões de felicidade das sociedades de consumo: um homem bem comportado, um emprego estável, uma esposa fiel, um carro e uma casa são aspectos que pretendem refletir um modelo de vida a ser seguido. De lá pra cá, muito tempo passou e muita coisa mudou, os padrões ganharam nova roupagem, mas será que muito do conteúdo daquilo que fora desejado outrora ainda não permanece no imaginário coletivo da juventude como sendo um modelo de sucesso?
Um filho e um cachorro Ouça a música na Rádio UOL |
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Zeca Baleiro, algumas décadas depois de Raul, também satiriza a relação entre felicidade e “vida modelo” em “Um filho e um cachorro”. Há quem diga que hoje em dia há uma certa falta de identificação ou um rompimento por parte dos jovens com as etapas normativas que conduzem à fase de vida adulta associada à ideia de estabilidade, futuro certeiro e sucesso profissional. Contudo, isso não significa, em última instância, um rompimento com a carreira profissional e muito menos com a instituição familiar. A forma de construção desse futuro já não é a mesma, por que envolve um tipo de relação com o futuro que permite idas e vindas, contradições, mudanças, incertezas, mas, na essência, ainda pode carregar muito de um passado próximo.
Do mesmo modo que a mídia produz e reproduz ideias, conceitos e padrões de beleza e felicidade, também o faz em relação a um modelo de futuro bem sucedido, que está, quase sempre, aliado ao sucesso profissional e pessoal. Qual lhe parece ser o modelo de futuro desejado pelos seus jovens alunos? Em que medida os jovens da sua escola se aproximam ou se distanciam dos padrões de consumo e de vida propagados?