De tudo, ficaram três coisas... |
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O poema de Fernando Sabino parece traduzir alguns conselhos que ouvimos e que dizem respeito à necessidade de recomeçar sempre, de persistir diante dos obstáculos e de não desistir de um objetivo. Diante das três certezas mencionadas pelo autor, associadas aos conselhos que recebemos durante a vida, o que podemos dizer? É fácil recomeçar diante de um objetivo interrompido? E nos levantar após uma queda? Como resolvemos essas questões? Iniciar e continuar, mesmo sabendo que podemos ser interrompidos: como fazer isso?
O percurso da vida é marcado por começos, interrupções e recomeços, fazendo com que cada sujeito trace trajetórias singulares. Cada sujeito responde e age diante dessas situações de maneira diferente, construindo percursos e identidades diferentes. Mas por que isso acontece? Como cada sujeito “cria” seu caminho? Poderíamos ter várias respostas para essa questão, mas aqui, especialmente, tentaremos respondê-las, refletindo sobre a noção de projeto de futuro.
Falar de projetos e planos de futuro nos leva a analisar a diversidade de cada sujeito dentro da sociedade, ou seja, os estilos de vida, as visões de mundo e os modos com que cada um pensa e age na sociedade contemporânea. Tarefa difícil, não é mesmo? Se fôssemos analisar isso “a fundo”, diríamos ser quase impossível concluir tal análise, mas, para facilitar, podemos olhar para nossos antepassados e ver o que mudou. Trata-se, então, de percebermos os multipertencimentos, ou seja, as variadas maneiras como os indivíduos ou grupos vão se constituindo. Por exemplo, há várias maneiras de “ser jovem” assim como há várias maneiras de “ser velho”, sem esquecer que essas próprias definições de jovem e velho não são dadas, e, sim, socialmente construídas. Sendo assim, há também várias maneiras de se pensar os projetos de futuro. Por isso, os projetos das gerações passadas e das atuais são diferentes.
“Os projetos, como as pessoas, mudam. Ou as pessoas mudam através de seus projetos. A transformação individual se dá ao longo do tempo e contextualmente”. (VELHO, 2003, p.48)
Mas, afinal, o que estamos chamando de projeto de futuro? Bem diferente dos projetos que estamos acostumados a ver, tais como os projetos arquitetônicos, políticos, ou educativos, o projeto de futuro (ou plano de futuro) não é fruto de um cálculo matemático, ou resultado de um processo linear, como muitos pensam. Nem é escrito formalmente, com objetivos, metodologias e cronogramas a serem cumpridos. O projeto de futuro é uma construção dinâmica, de um plano que “remete”, que se “lança adiante” no ritmo da vida, a partir do hoje: uma ação que o indivíduo projeta realizar em algum momento futuro, em um arco temporal mais ou menos largo.
Assim o projeto pode ser entendido como
“Uma ação do indivíduo de escolher um, dentre os futuros possíveis, transformando os desejos e as fantasias que lhe dão substâncias em objetivos passíveis de serem perseguidos, representando, assim, uma orientação, um rumo de vida.” (DAYRELL, LEÃO & REIS, 2010, p.67)
É importante chamarmos atenção para a possibilidade de um indivíduo possuir mais de um projeto, mas, geralmente, há um plano principal ao qual todos os outros estão subordinados. Isso porque, ao mesmo tempo que a sociedade “cobra” um projeto de futuro, também nos possibilita uma multiplicidade de motivações e experiências que nos inspiram e permitem traçar vários projetos. Vemos que o projeto de futuro é dinâmico, permanentemente reelaborado de acordo com os novos sentidos e significados dados pelos sujeitos.
A singularidade do momento da vida juvenil, conforme abordado no módulo 3, é marcada por flutuações, descontinuidades, reversibilidades, verdadeiros movimentos de vaivém, que são também fruto de estruturas sociais cada vez mais fluidas presentes na sociedade atual. Podemos perceber essas inconstâncias, por exemplo, quando jovens saem da casa dos pais e depois voltam, abandonam os estudos e recomeçam, casam-se e descasam. É devido a esses movimentos oscilatórios e imprevisíveis que muitos os chamam de geração ioiô.
Podemos completar nossas considerações dizendo também que a juventude aparece como a “fase biográfica de preparação” para a vida adulta. Nesse sentido, o presente não é somente uma ponte entre passado e futuro, mas um tempo de preparação para esse futuro. É nesse processo, permeado por descobertas, experimentações, emoções e conflitos, que os jovens se questionam: “Quem sou eu?”; “Para onde vou?”, “Qual rumo devo dar na minha vida?”.
Desses questionamentos, emerge um impulso por independência e o desejo por emancipação em relação ao mundo adulto que, em sua maioria, leva os sujeitos à “necessidade” de elaborar seus projetos. Diante dessa necessidade, o futuro é considerado a dimensão do sentido de agir, representando-se como tempo estratégico de definição de si.
“o futuro é o espaço para a construção de projetos de vida e, ao mesmo tempo para definição de si: projetando que coisa se fará no futuro, projeta-se também, paralelamente, que se será”
Trata-se então, ao se pensar em projeto de futuro, de um processo que está intimamente ligado à construção da identidade juvenil que, segundo Dayrell (1999), é um processo de aprendizagem que implica o amadurecimento da capacidade de integrar o passado, o presente e o futuro, articulando a unidade e a continuidade de uma biografia individual. Entretanto, lembramos que o indivíduo constrói sua identidade de forma processual e autônoma, a partir das referências socioculturais e do campo de possibilidades, e não como algo dado e definitivo. Ou seja:
“a identidade é uma construção que cada um de nós vai fazendo por meio das relações que estabelece com o mundo e com os outros, a partir do grupo social a que pertence, do contexto familiar, das experiências individuais, de acordo com os valores, ideias e normas que organizam sua visão de mundo” (DAYRELL & GOMES, 2004:10).
Entretanto, devemos cuidar em não fazer apreciações redutoras, nem unilaterais, da condição juvenil. O fato de que os jovens elaboram projetos de futuro em seu percurso não os determina apenas como um “vir a ser”, de pouca valia hoje e sempre medidos pelo sucesso vindouro. Na verdade, a juventude tem um valor presente, significativo para os sujeitos e a sociedade: é vivência dinâmica, em processo rumo ao futuro, com escolhas que constroem identidade, caracterizando assim a “condição juvenil”.