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O que foi e o que tem sido feito do ensino médio brasileiro

Os anos 1990 são um divisor de águas na história da educação brasileira, das políticas educacionais, e também do Ensino Médio. Podemos dizer que, para o Ensino Médio no Brasil, há o antes e o depois dos anos 1990.

Até o final dos anos 1980, o Ensino Médio público foi marcado por uma dualidade: um ensino voltado para a formação das elites e outro voltado para os filhos da classe trabalhadora. Enquanto o primeiro, chamado ensino secundário propedêutico (ou formação geral) preparava o jovem para entrar na universidade, o ensino secundário profissionalizante (ou técnico) significava o final da escolarização e o ingresso efetivo no mundo do trabalho.

As reformas educacionais concretizadas nos anos 1960, 1970 e 1980 alteraram o nome dado a esta etapa da educação básica, que até então fora conhecida como “Colegial”, “Ensino Secundário”, e passou a denominar-se Ensino de Segundo Grau. Nesse período, quando ocorria uma expansão de vagas, a oferta era quase sempre para os cursos noturnos.

O resultado desse desenho foi a multiplicação de cursos técnicos, na maioria das vezes, sem uma boa qualidade, porque a ênfase na articulação trabalho e educação visava somente à instrumentalização para o trabalho. Pior ainda, devido à falta de recursos, o que ocorreu foram improvisações curriculares que falseavam a formação profissional.

Foi assim que o ensino público chegou até o final dos anos 1980: com pouca ou quase nenhuma alteração nas condições de acesso à escola e no seu funcionamento. Eram dois tipos de escola pública: uma diurna, de boa qualidade, para os jovens das camadas médias que pretendiam fazer faculdade, e outra, noturna, de baixa qualidade, para os jovens trabalhadores.

Quem não se lembra ou ouviu falar dos cursos de contabilidade, magistério, secretariado, dentre outros, que pouco auxiliavam na relação entre os jovens e a carreira profissional? Quem fez estes cursos deve se lembrar da precariedade, da falta de laboratórios e de professores especializados, não havia estágios etc. O jovem aluno daquela época fazia um curso que acrescentava pouco para sua inserção no mercado de trabalho. E, mesmo com a mudança na lei, que introduziu mudanças na organização do Ensino Médio, a tal dualidade do Ensino Médio continuava. Era tão “natural” a ideia de que os jovens das camadas populares não precisavam estudar tanto, que esses jovens sequer imaginavam a possibilidade de continuar os estudos.

Você se lembra como era difícil para uma criança ou jovem pobre entrar e ficar na escola? Você se lembra de ter ouvido frases como: “não tem jeito com fulana, porque ela não dá pro estudo”, ou “esse menino não tem cabeça pra escola, é melhor trabalhar mesmo”, ou “se aprendeu a assinar o nome, tá bom”. Frases desse tipo eram repetidas abertamente para justificar o fracasso escolar de muitas crianças e jovens, principalmente os das camadas populares.

A charge abaixo ilustra bem aquele momento histórico:

Charge Ensino Público

Essa charge te lembra alguma coisa? Há trinta anos, era mais ou menos assim. Esse tipo de frase era reproduzido somente entre os filhos da classe trabalhadora, porque, como já dissemos, para as camadas médias e elites, era “natural” que seus filhos fossem para a escola e chegassem à universidade.

Embora isso ainda se aplique em alguns contextos de nossa educação, podemos dizer que ocorreram mudanças no cenário educacional brasileiro.

O que você acha que mudou na realidade da sua escola? Lembra-se de quando nós falávamos nas transformações sociais e nas mudanças que elas trazem para todos os contextos da vida social? As inovações científicas e tecnológicas, as mudanças nas relações sociais e no contexto político alteraram sensivelmente a maneira como as pessoas passaram a encarar o mundo e a si mesmas. Com a democratização da sociedade brasileira, a escola passou a ser reconhecida como um direito de todos, um direito não só de entrar, mas também de permanecer nela. E mais, o direito a ter uma trajetória escolar de sucesso.

Resumindo, a situação era (e em parte ainda é) mais ou menos assim:

Nosso sistema educacional em uma imagem

A imagem acima reflete bem o contexto educacional da época. Parecia que tudo andava bem na escola, já que, de certa forma, ela se abriu para um maior número de estudantes. Porém, ao entrar, o sucesso e o fracasso eram responsabilidade do aluno e da sua família. Falta de aptidão, falta de cultura, falta de inteligência, falta de esforço, falta de vontade... tudo isso era usado para dizer que o fracasso era um problema individual.

Contudo os movimentos sociais e políticos questionaram os mecanismos de seleção escolar e reivindicaram a universalização do ensino. Ao mesmo tempo que se abria a “caixa preta” da escola, as camadas populares demandavam a escolarização dos seus filhos.

A partir de 1990, efetivamente após a aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB 9394/96), ocorreu uma grande expansão e, ao mesmo tempo, a massificação do ensino. Ou seja, as barreiras que antes impediam os jovens pobres de frequentarem a escola, em parte, foram quebradas.
E o ensino médio, que antes era visto apenas como passagem ou etapa, para as classes médias, entre o ensino fundamental e superior, hoje é considerado a etapa final da escolarização obrigatória e tem como finalidades a preparação para a continuidade dos estudos, a preparação básica para o mundo do trabalho e o exercício da cidadania.

Entretanto, mesmo sendo um avanço, essa mudança de concepção e a expansão do ensino NÃO vieram acompanhadas de melhorias na qualidade. Uma das explicações para isso é o fato de que, à medida que as camadas populares entraram na escola, os jovens das camadas altas e médias migraram para a rede particular. A escola pública perdeu assim uma parte da sua força de pressão por qualidade. Ao mesmo tempo, a escola não se readequou para receber a nova e crescente clientela. De um lado, os recursos destinados à educação não se ampliaram na mesma proporção, daí vieram as dificuldades na infraestrutura, na modernização das escolas e na precarização da condição docente. Por outro lado, não houve mudanças significativas nos tempos e espaços escolares, no currículo, na forma de lidar com o conhecimento. Tudo isso junto veio gerando uma “escola pobre para atender aos pobres”.

Outra questão que se observa hoje é que as mudanças de concepções que orientam a elaboração de leis e de políticas apresentam dificuldades em serem implementadas e têm pouco reflexo na realidade escolar, no cotidiano das escolas. Ou seja, as propostas, programas e políticas educacionais ainda tendem a “ficar no papel” e, mesmo quando chegam à escola, não são facilmente operacionalizadas. Nesse sentido, é fundamental que a escola e os professores fiquem atentos às discussões e decisões que ocorrem no congresso e nos governos municipal, estadual e federal para garantir a implementação de fato dos avanços legais. Um deles é o debate em torno do financiamento da educação. Em 2006, houve um grande avanço com a criação do FUNDEB, que passou a garantir o financiamento do Ensino Médio, dentre outros. Mas os recursos ainda são insuficientes, e agora o desafio é a aprovação dos 10% do PIB para a Educação. Um outro marco legal que é importante todos conhecerem são as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio (leia aqui).

Tais diretrizes, aprovadas em 2011, deixam explícito aquilo que nós chamamos até aqui de mudança na concepção. Este documento retrata a importância de a escola pública oferecer ao jovem aluno uma formação humana integral, que inclui um aprimoramento do jovem aluno como pessoa, a consolidação dos conhecimentos adquiridos no Ensino Fundamental, a preparação básica para o mundo do trabalho e a cidadania, dentre outros objetivos.

Significa dizer que o Ensino Médio deve oferecer ao jovem aluno muito mais do que uma preparação para o vestibular ou uma formação reduzida para o trabalho. Para isso, prevê uma grade curricular mais flexível de tal forma a atender à multiplicidade de interesses dos jovens e também valorizar a autonomia das escolas na definição do currículo. Incentiva também que as escolas desenvolvam possibilidades formativas com itinerários diversificados para atender às diferentes necessidades dos alunos. Com essas definições, as novas diretrizes deixam clara a centralidade do jovem aluno na organização e funcionamento do Ensino Médio. Significa que a escola pública de Ensino Médio deve funcionar como um suporte, contribuindo para ampliar a formação humana do jovem no seu presente, mas também preocupar-se com o seu futuro, ajudando-o a definir o seu projeto de vida. Você pode notar que o Programa Ensino Médio Inovador é um reflexo dessas novas diretrizes.

Como vocês podem perceber, esse tipo de orientação muda radicalmente o olhar sobre o Ensino Médio público. Se antes o jovem aluno pobre era visto “sem futuro” ou “com futuro já definido” (para o trabalho), atualmente eles devem ser enxergados por nós, professores, como sujeitos. Significa dizer que cada um desses jovens alunos chega à escola com uma história, com um conjunto de experiências socioculturais que vão orientar suas necessidades, desejos e interesses, que são os mais variados.

E então, o que você acha dessa mudança toda? Como essas mudanças “aparecem” na sua escola? Se a sua escola tiver mais de vinte anos de funcionamento com alunos de Ensino Médio, dá até pra você ver o que mudou em termos de: quantidade de alunos atendidos, perfil dos alunos e das famílias e o tipo de “currículo escolar”.

Mas vamos continuar nossa conversa. No próximo tópico, vamos refletir sobre o Ensino Médio e seus desafios, agora por meio das estatísticas. Vamos aos números do Ensino Médio brasileiro!