A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/1996)
No meio da década de 1990, os indicadores do Censo Escolar mostravam ainda, no Brasil, altos índices de crianças entre 7 e 14 anos de idade fora da escola, apesar do aumento significativo das taxas de matrícula no Ensino Fundamental, sendo que a falta de escolarização atingia 25% das crianças de baixa renda, com renda familiar até 2 salários mínimos. Além disso, os dados do Censo Escolar levantados no ano de 1996 ainda apontavam altas taxas de repetência, de evasão e de distorção série/idade. Era notório que as crianças de famílias pobres eram as mais vulneráveis à evasão escolar, bem como havia ainda, segundo dados de 1996, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que das crianças das famílias de renda até 1 (um) salário mínimo, apenas 60% na faixa entre 10 e 14 anos só estudavam. O restante ou apenas trabalhavam, ou conciliavam educação e trabalho.
Diante desse quadro despontaram, em diversos municípios do País, propostas mais arrojadas para se efetivar o direito à educação: a construção de escolas de tempo integral (CIEPs, CAIC’s), a introdução dos ciclos de formação em substituição ao sistema seriado de ensino, e a criação de um regime de progressão continuada dentro do sistema seriado. Apesar das diferentes concepções teóricas que embasavam cada uma dessas escolhas, todas se ancoravam na necessidade de se construírem mecanismos para se reduzirem as altas taxas de evasão e de repetência no sistema público de ensino. Tais experiências – apresentadas no módulo anterior deste curso – colocavam em prática uma visão de educação integral, voltada para uma formação que contemplasse as diversas dimensões da formação humana. É nesse cenário que será estabelecida pelo Congresso Nacional, após discussão com diversos segmentos da sociedade, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no ano de 1996.
Que concepção de educação vai nortear a nova Lei? Apesar de deixar claro que a normatização refere-se à educação escolar, logo em seu primeiro artigo transmite uma visão alargada do conceito de educação, uma vez que contempla outros espaços formativos além daqueles escolarizados:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
A Lei considera os espaços familiares e no trabalho, as manifestações culturais e os movimentos sociais, dentre outros, como locais e momentos de ensino e aprendizagem. Sobretudo, essa ideia carrega a possibilidade de uma educação que integra espaços formais e não-formais de aprendizagem. Por sua vez, no que se refere ao Direito à Educação e do Dever de Educar, resgata os mesmos aspectos que fazem parte da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Apesar de parecer repetitivo, vale a pena ver o seu artigo 4º, no qual o texto público mais uma vez reitera o dever do Estado em oferecer uma escola pública, gratuita e de qualidade, para todos os alunos:
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
II - universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Lei nº 12.061, de 2009)
III - atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;
IV - atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
VIII - atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
IX - padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
X – vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade. (Incluído pela Lei nº 11.700, de 2008).
Uma alteração importante que tivemos na LDB refere-se à ampliação dos anos letivos do Ensino Fundamental, que a partir do ano de 2005 passou a ser de nove anos; assim, é dever dos pais ou responsáveis matricular os menores a partir dos seis anos de idade, e, caso não existam ofertas públicas de vagas em determinado município, o Ministério Público poderá ser acionado, com a consequente responsabilização das autoridades locais: encontramos aqui a importante ideia de direito público subjetivo. Essa mudança é percebida no artigo 5º:
Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo. [...]
§ 4º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
§ 5º Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior.
Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental. (Redação dada pela Lei nº 11.114, de 2005)
Você sabia que o acesso ao ensino fundamental é o único direito público subjetivo em todas as legislações brasileiras? A sociedade pode, assim, exigir das autoridades a existência de vagas no sistema público de ensino fundamental. No que diz respeito ao ordenamento do trabalho escolar anual, a LDB propõe, como obrigatoriedade, a ampliação do tempo linear (de 180 para 200 dias letivos, ou de 720 horas para 800 horas anuais) para a permanência dos alunos na escola. É o que dizem as disposições gerais da Educação Básica apontada no artigo a seguir:
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
I - a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
II - a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
a) por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;
b) por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;
c) independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;III - nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a sequência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;
Aliada a essa ampliação anual, a Lei introduz certa flexibilidade nas formas de organização do trabalho escolar, pois inclui a possibilidade de descolar a série do ano-calendário ou ano-civil, desde que cumprido os duzentos dias letivos. Segundo a compreensão dos legisladores, é admitido o planejamento das atividades letivas em períodos que independem do ano civil, de maneira a favorecer a inserção de alunos nos programas de escolarização institucional, em função de conveniências da população local, tais como fatores de ordem climática e econômica.
Art. 23. A Educação Básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
§ 1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.
§ 2º O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei.
Em concordância a essas novas possibilidades de funcionamento institucional, houve mudanças significativas também nos critérios avaliativos. No que se refere à avaliação, pode-se ler uma preocupação de se construir uma escola centrada nos ritmos de aprendizagem dos alunos, com a prevalência de critérios qualitativos e avaliações contínuas ao longo de todo o período escolar, e a oferta obrigatória de estudos de recuperação para alunos com baixo rendimento escolar. Busca-se, também, maior integração entre escola e comunidade, tanto no que diz respeito à obrigatoriedade e ao controle da frequência quanto na elaboração e na execução da proposta pedagógica. É o que se pode inferir do artigo 12:
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de [...]:
VI - articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;
VII - informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola; (Redação dada pela Lei nº 12.013, de 2009)
VIII – notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei (Incluído pela Lei nº 10.287, de 2001)
Mostramos que a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional procuravam garantir tanto a inserção de nossas crianças nas escolas quanto a ampliação de seus tempos lineares de escolaridade. Apesar de todas essas medidas normativas, a evasão e a repetência ainda continuam, bem como os indicadores de qualidade continuam baixos, como demonstram as provas e testes recentemente aplicados. Além disso, seguindo uma tendência mundial, os alunos afirmam que a escola é o último lugar para onde querem ir (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005).
Perguntamos: Que significados nós tiramos desses dados e dessas afirmações? Como podemos mudar a cara de nossa escola, de forma a torná-la um local agradável, e que simultaneamente comprometam os alunos na busca de conhecimentos, melhorando os patamares de aprendizagem? Atualmente (re) surge, em diversos Estados e Municípios, a ampliação da jornada escolar para os alunos, isto é, a Proposta de uma Escola que funciona para além dos turnos parciais de quatro horas. Como foi trilhado esse caminho?
Voltemos à LDB. No seu Artigo 34, enfatiza a duração da organização tradicional em tempo parcial, e, no mesmo artigo, parágrafo segundo, coloca a possibilidade da ampliação deste tempo:
Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola.
§ 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das formas alternativas de organização autorizadas nesta Lei.
§ 2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino. (grifo nosso)
Notamos que a Lei não obriga, mas recomenda a implantação do regime de tempo integral nas escolas de Ensino Fundamental. Nas disposições transitórias, encontramos novamente diante da indicação da ampliação dos tempos da jornada escolar. O Artigo 87 fala por si:
Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei. [...]
§ 5º Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral. (grifo nosso)
Atualmente, a proposta da construção de uma escola integral está na agenda das diretrizes educacionais do Governo Federal, dos estados e municípios do país, ancorada na melhoria da qualidade em educação. Este é o nosso próximo assunto na Unidade III.