Curso Educação Integral e Integrada

Nas trilhas de Belo Horizonte

A experiência da Escola Municipal Paulo Freire

Para uma reflexão sobre as dificuldades contornadas pelas escolas que aderem ao Programa escola Integrada escolhemos o relato da experiência da Escola Municipal Paulo Freire (EMPF).

A EMPF localiza-se no bairro Ribeiro de Abreu, região Nordeste de Belo Horizonte e aderiu ao projeto piloto do Programa Escola Integrada em 2006. A escola é nova, sua construção se deu no ano de 2000, através do orçamento participativo. Em 2009 contava com o seguinte quadro de estudantes:

    • 1º ciclo: 169 alunos
    • 2º ciclo: 260 alunos
    • 3º ciclo: 253 alunos
    • EJA: 169 alunos
    • UMEI vinculada à Escola: 210 alunos
    • EJA BH vinculada à Escola: 191 alunos

Em seu quadro de funcionários, a escola conta com:

    • 01 diretora e 01 vice-diretora
    • 48 professores
    • 20 monitores da Integrada
    • 5 funcionários administrativos
    • 20 funcionários na cantina e faxina
    • 4 porteiros e vigias

Mesmo antes da Escola Integrada, a EMPF já tinha um projeto de ampliação da jornada para alguns de seus estudantes, como relatou a diretora da escola, Edmeia Costa:

Esta nossa escola tem uma característica que a difere das outras. Antes de ter o programa de escola integrada da prefeitura, a gente já tinha aqui dois turnos de “Tempo legal”, porque temos muitos meninos que vivem nas ruas mesmo. Isso incomodava muito à escola - acabar a aula e ver o menino na rua o dia inteiro. Aí, na época, a diretora conseguiu que a gente ficasse com esses meninos – eram menores e com problemas de vulnerabilidade social, de abuso ou espancamento. Era um grupo reduzido e tínhamos duas turmas, uma da manhã e outra da tarde que ficavam no contraturno. Quando veio a proposta do programa de escola integrada, a Secretária chamou nossa escola para conversar e para a gente foi tudo de bom!

Dos 682 alunos matriculados no Ensino Fundamental da escola, 538 são atendidos na Escola Integrada e desses, 238 são adolescentes. É a escola com o maior número de adolescentes participando do Programa.

A escola oferece uma grande variedade de oficinas, o que, segundo a professora comunitária, garante a presença de tantos adolescentes no Programa. São oferecidas as seguintes oficinas:

• Dança

•Educação Ambiental

• Ginástica Rítmica

•Educação Sexual

• Vôlei

•Higiene e Saúde

•Futebol

•ECA / Cidadania

•Taekwondo

•Inglês

•Jogos e Brincadeiras

•Espanhol

•Xadrez

•Intervenção Pedagógica

•Flauta

•Intercâmbio Cultural

•Violão

•Jornal

• Artesanato

•Artes e Ofícios

•Intervenção nos Muros

•Informática

•Pic Nic

•Para Casa

Por dia, os alunos participam de duas oficinas de uma hora e meia cada, sendo que as turmas são dividas por idade e por ciclo, tendo no máximo 25 alunos por oficina. A cada semestre, há uma negociação com os estudantes de cada ciclo, para organizar as oficinas dentre as que são oferecidas. Não há uma única lógica para construir essa organização.

Mas para chegar a esse desenho, foi preciso viver um processo muitas vezes bastante tumultuado, como afirma a professora Edmeia:

Em outubro de 2006, começamos (..): aí era um caos, porque a gente não sabia como é que era, não estava formatado, era uma experiência mesmo, sete escolas só na rede, não tinha espaço externo, os meninos faziam uma zoeira na escola, os professores caíam matando, porque era bagunça demais, que eles não tinham horário de almoço para descansar (...) e eles ficavam uma fera com a gente... Mas fomos e conseguimos um espaço da Igreja Viva, aqui da frente. Eram 100 alunos e chegamos no final do ano, aos trancos e barrancos. Sofremos muito. Tínhamos só agente cultural, não conseguimos bolsistas das universidades! Os meninos que faziam bagunça eram sempre considerados “da Integrada”. Até a gente desenvolver essa cultura que o menino não é da integrada, e sim da escola, que é bom, que todo mundo tem que dar conta, não foi fácil. No ano seguinte a I. (professora comunitária) continuou e conseguimos ampliar para 200, mas ainda muito precário.

Hoje esse período foi superado e a escola consegue desenvolver o programa da Escola Integrada como uma proposta da escola como um todo e não como se existissem duas escolas em um mesmo espaço. Essa integração é percebida, por exemplo, no uso dos espaços. A sala de professores é ocupada tanto pelos professores como pelos agentes culturais, que são vistos como educadores da escola, e não só do programa Escola Integrada. A integração entre professores do turno regular e agentes culturais foi um processo construído pouco a pouco.

A interação também acontece na hora da alimentação. A escola disponibiliza para os alunos café da manhã assim que eles chegam; almoço e um lanche na parte da tarde; e todos os alunos que quiserem podem tomar café e almoçar na escola, mesmo que não participem da Escola Integrada.

A interação com a comunidade, com o bairro é outro aspecto a ser destacado na experiência da EMPF. Como está localizada em um bairro de difícil acesso, de relevo bastante acidentado, com muitas subidas e descidas e com poucos equipamentos públicos, como parques ou praças, o deslocamento foi um desafio a ser superado.

Mas como tudo na escola, a relação com a comunidade também foi um processo construído ao logo do tempo, como nos conta a professora Socorro:

Mas a comunidade resistiu muito, (dizendo) que (os alunos iriam) quebrar a Igreja, o portão, fazer barulho na rua. Foi um desafio também a inserção na comunidade: “A integrada vai passando, fecha a porta”. A comunidade católica fechou as portas e o dia que fui pedir reunião com o padre e disse que eu, como católica, me sentia envergonhada de uma Igreja que fecha as portas, que Igreja era essa?! Aí no outro dia estava a porta do pátio de cima, do pátio de baixo tudo aberto para nós. O que me chamou mais a atenção é que a mesma comunidade que resistiu começou a mudar o olhar mesmo. Primeiro foi um pic-nic: a gente levava violão, flauta, para naquela porta e toca alguma coisa; do lanche chama o pessoal e oferece. A comunidade reuniu e já tem canteiro de horta, canteiro de jardim: ali onde tem parada, apita e para, sabe que tem que parar; o pessoal mais velho se reuniu, recolheu o lixo e fez alguns banquinhos, para os meninos sentarem. A questão da integrada (...) mudou a cara da escola, da comunidade, do pessoal da igreja também.

Hoje, para a realização das oficinas são utilizados os espaços dentro de própria escola e outros que são alugados, como a Igreja e umas casas distantes da escola. Os alunos têm que ir a pé para esses locais, já que a escola não possui nenhum meio de transporte para levá-los. A própria comunidade organizou espaços de descanso para as crianças e adolescentes, construindo bancos embaixo de uma árvore para ser a primeira parada. Na segunda parada, uma moradora do bairro espera os alunos com copos e uma jarra de suco para refrescar em tempos de calor.

Os pais participam também dos eventos ocorridos dentro e fora da escola. No começo do programa, eles ainda eram resistentes e achavam que não iria dar certo. Para eles, o que interessava era um lugar em que os seus filhos pudessem ficar o dia todo, para que eles fossem trabalhar os meninos não fossem para a rua. Mas, com o passar dos anos, foram percebendo como a escola estava crescendo e fazendo bem para seus filhos, e hoje acreditam que a escola é um local onde as crianças estão em segurança e aprendendo coisas diferentes e de uma forma lúdica que chama a atenção.

Não só o espaço do bairro é ressignificado. O espaço da escola também ganhou outras dimensões e passou a ser um espaço público, de circulação de todos. Os alunos têm total acesso a espaços como a sala da coordenação, onde entram e saem a todo momento.

Isso acaba estabelecendo uma relação de confiança e de cuidado. A horta e o jardim da escola não são cercados. Os alunos se sentem responsáveis por cuidar do espaço escolar, o que  acaba refletindo também fora da escola.

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