As redes socio-educativas
As ações da escola para ampliar os limites da humanização iniciaram-se pela tentativa de aproximação entre pais, mães ou outros responsáveis e as crianças, numa dinâmica que pudesse recompor a afetividade. Algumas estratégias foram pensadas nesse sentido:
1) Dia da brincadeira na escola em que as mães, pais ou responsáveis foram brincar com as crianças do 1º ciclo, com a participação de um brincante contratado pela escola e outros do Centro Cultural, entidade parceira nesse evento. As crianças confeccionaram o lanche para as famílias (processo desencadeado em outra ação importante da escola, o projeto saúde e atividades cotidianas, que contou com a parceria da Faculdade de Nutrição da UFMG).
2) Dia da sexualidade. As famílias e alunos do 2º ciclo debateram a gravidez na adolescência e participaram do lanche preparado pelos/as alunos/as.
3) Os/as alunos/as apresentaram para as famílias o que aprenderam nas oficinas de dança, capoeira, música, artes e nas aulas de inglês e literatura no dia da reunião das famílias.
4) Dia da pipa. Após a realização de uma oficina de construção de pipas coordenada pelos pais, irmãos, tios dos/as alunos/as, foi realizado um passeio ao Parque Ecológico da Pampulha, no qual todas as mães, pais ou irmãos maiores de 18 anos puderam participar da atividade de soltar pipa.
Outra ação importante foi a organização de visitas domiciliares às famílias dos alunos/as que apresentavam alguma forma de negativa frente à ação escolar – comportamento inadequado, agressividade, adoecimento, recusa ou dificuldade de aprendizagem. As visitas foram organizadas a partir das respostas dos responsáveis à solicitação da escola para receber a coordenação e a professora para uma conversa sobre a criança. A resposta indicando a possibilidade ou não dessa recepção apresentava elementos para compreender as formas de sociabilidade presentes nesse contexto. As recusas, por exemplo, não se endereçavam às pessoas da escola; assinalavam a impossibilidade de diálogo em casa durante o dia e desaconselhavam a entrada nos becos à noite. As visitas respeitaram os dias e horários marcados e sempre se fizeram com a presença da assistente social do NAF, da coordenação pedagógica, e, em alguns casos, com a presença da professora do/a aluno/a.
Essas visitas ofereceram elementos importantes para acessar as formas de sociabilidade do território. Descobriram-se as estratégias de sobrevivência, cuidado com a criança e afetividade possíveis na dinâmica do território. É possível, por exemplo, que a criança permaneça durante o dia na casa de um dos vizinhos e só retorne à sua casa para dormir. Numa das casas, a mãe relatou as dificuldades nos partos que teve e isso configura, de certa forma, a aspereza de sua relação com os filhos e até o descuido com a saúde deles. Entretanto, surpreendentemente, havia um canto de destaque na parede, com fotos dos vários momentos significativos da vida dos filhos – batizados, festas da escola, aniversários e o nome da professora escrito por um deles.
Os rearranjos familiares indicaram a instabilidade que pode causar efeitos na estrutura das crianças – períodos com o pai, a mãe, a madrasta sem o pai, com tias, estabelecidos em acordos ou em brigas. Indicaram também uma figura desconhecida: o parentesco por afinidade, ou seja, a figura que se responsabiliza pela criança não possui vínculo parental, mas, por algum motivo, tem com ela uma relação de afeto e de afinidade. Essa pessoa pode ser vizinho, amigo (a) da família, entre outros. Esses rearranjos podem significar a garantia da sobrevivência e do cuidado, e não o comprometimento da estrutura afetiva.
As visitas domiciliares, além de reveladoras para os docentes, abriram um espaço de fala para a família que pode ter significado a única oportunidade para tratar da relação com as crianças fora do registro ao qual se encontram emaranhadas. A oportunidade de recompor a história para si e para os outros é uma forma de intervenção significativa da escola no território. A partir do reconhecimento do território, a escola ampliou suas possibilidades educativas e prossegue recompondo propostas educativas.
Nesse exemplo de rede socioeducativa, a escola tem o papel de sede e de centro, mas o fluxo de saberes a transborda em busca de valores, conhecimentos, experiências e recursos disponíveis localmente: nas universidades, em instituições de educação não formal, no centro cultural e nos equipamentos de assistência social e proteção à infância.
Não bastasse o desafio de integrar as políticas públicas setoriais em um Plano de Educação Integral, a territorialização propõe, ainda, que cada política pública seja articulada em um dado território. É a partir desses conhecimentos, saberes, potenciais, conflitos, dessas contradições e dificuldades que se expressam no território que deverão ser implementadas as políticas públicas.
Ultrapassando Fronteiras O caso explorado indica-nos como a composição de redes socioeducativas pode emergir da ação da escola, que atua na articulação com as formas de viver no território e com as organizações e instituições nele instaladas. Para aprofundar a reflexão sobre esse aspecto, sugerimos a leitura de duas produções do Ministério da Educação. Trata-se dos cadernos Educação Integral e Interssetorialidade , em que destacamos o texto de Intersetorialidade e contextos territoriais, de Lúcia Helena Nilson. E Territórios educativos para a educação integral: a reinvenção pedagógica em que destacamos os capítulos 4, 5, 6. |
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Flashes de viagem Selecionamos dois vídeos em que que a temática ‘educação integral e interssetorialidade’, suas potencialidades e desafios, é posta em discussão. O primeiro se trata do quinto episódio do Programa Salto para o Futuro (acesse aqui), do Ministério da Educação e o outro consta de uma roda de conversa (acesse aqui) promovida pelo grupo Territórios, Educação Integral e Cidadania da Faculdade de Educação da UFMG.
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