As redes socio-educativas
A ideia de Rede de Proteção tem sido acionada na política de vários municípios. Em Porto Alegre, por exemplo, configurou-se o Projeto Integrado de Atenção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco Social (Rede de Proteção). A proposta é unir as cidades que integram a Associação dos Municípios da Grande Porto Alegre (Granpal), no Rio Grande do Sul, para qualificar e ampliar a rede de serviços e de programas de assistência social na região. Dessa forma, busca fortalecer o atendimento a crianças, a adolescentes e a suas famílias.
Além de atuar na formação integrada, o Programa constituiu um sistema de informações que integrará os serviços e o atendimento nos municípios envolvidos e trabalhou na qualificação e ampliação dos espaços físicos da rede de atendimento em assistência social, com obras em abrigos e centros para programas de assistência social.
A idéia de redes socioeducativas coloca-se na perspectiva de criar uma outra cultura do educar/formar, que tem na escola seu locus catalisador, mas que ultrapassa os muros da escola para explorar e desenvolver os potenciais educativos da comunidade. Essa perspectiva dialoga com os princípios da educação popular de rua e reconhece que o ambiente social é espaço de aprendizagem. Nesse processo, a comunidade no entorno da escola também é convidada a participar do processo educativo e a reconhecer, como espaços educativos, a praça, a rua, o parque, uma biblioteca, um clube, um teatro, um cinema, uma associação de moradores, um pátio, entre múltiplas experiências e possibilidades de convivências nos territórios.
Seguindo trilhas Como se faz a composição de redes socioeducativas? Por onde começar? A chave para desencadear esse processo é a realidade do território onde se situa a experiência. Colhemos um exemplo que demonstra essa necessária articulação da escola e seu entorno como primeiro passo para compor uma Rede. Trata-se de uma escola municipal localizada na Regional Noroeste de Belo Horizonte, precisamente na Lagoinha, próxima ao Centro da cidade. Essa região tornou-se área de expansão do Programa BH Cidadania, por abrigar uma população caracterizada como de grande vulnerabilidade social. O BH Cidadania é um programa de inclusão social que articula os serviços de assistência social, saúde, educação e busca garantir maior resolutividade e acessibilidade à população fragilizada. Em 2006, a escola integrou-se à expansão do BH Cidadania e passou a funcionar em tempo integral. O texto a seguir será um diálogo entre a experiência dessa escola e o conceito de redes socioeducativas. |
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A proposta de educação implementada nesta escola referia-se a um tempo ampliado, entendido como um movimento e um processo dinâmico de educação. Os processos escolares em tempo integral abriram possibilidades de construção de diferentes redes e de significados dentro e fora da escola, apropriando-se dos patrimônios culturais locais. O espaço público escolar foi repensado e sua lógica temporal incorporou tempos mais amplos e contínuo, rompendo com a lógica do tempo de aprender e tempo de socializar, tempo de escola e tempo do esporte, da cultura e do lazer.
A partir de 2007, todos os alunos passaram a permanecer na escola de 7h às 16h, fazendo quatro refeições diárias e participando de atividades diversificadas como informática, inglês, literatura, artes, música, capoeira, circo além das clássicas disciplinas do currículo.
Na proposta da escola, condições socioeconômicas que caracterizam o território não foram desconsideradas. A instalação de uma rota do tráfico do crack na região teve como repercussão imediata a elevação dos índices de violência e a degradação das condições de vida da população. É um contexto de degradação da condição humana que a escola precisou enfrentar para introduzir o contato possível com a cultura. A escola, juntamente com outras instituições como o Centro Cultural, o Núcleo de Atenção à Família (NAF), o Conselho Tutelar, associações de moradores apresenta-se como equipamento público de proteção da vida e de projeção de futuro.
A constituição da escola de tempo integral, aos poucos, produziu efeitos sobre esse contexto com a garantia de maior tempo de experiência escolar e de vivências culturais, de alimentação às crianças, de encaminhamentos efetuados em conjunto com outros equipamentos em relação à saúde, à proteção e contra as diversas formas de violência sofridas pelas crianças e suas famílias.
No contexto referido, assumiu importância a garantia da presença dos alunos na escola. Não raro havia intervalos nessa frequência devido aos problemas de demarcação do território pelas facções que dominam o tráfico, o que impedia que alunos/as de um determinado espaço o atravessem para chegar à escola. Outras instabilidades da vida cotidiana no território – mudanças bruscas de endereço, ameaças de morte, assassinatos, redefinições de guarda de crianças – foram problemas comuns que comprometeram a frequência à escola. O monitoramento da presença dos/as alunos/as, o encaminhamento de casos para intervenção de outras instituições – NAF, Núcleo de Mediação de Conflitos, Conselhos–, conversas e visitas às famílias das crianças se incorporaram à ação pedagógica. Esse é um dado importante nesse contexto: chegar vivo à escola no dia seguinte.
Superada essa barreira, as crianças chegavam à escola advindas de relações que desumanizam: a recorrência ao uso de drogas direta ou indiretamente, pela família ou pela própria criança; a violência doméstica, do tráfico e, não raro, da polícia; a fome; as condições de precarização e exploração do trabalho, principalmente o feminino e o infantil. É importante assinalar que mesmo as crianças cujas famílias são atendidas por programas de renda mínima não ficam livres do trabalho infantil doméstico, muito recorrente no caso das meninas, que cuidam da casa e dos irmãos menores quando as mães possuem alguma ocupação.
A inserção dos/as alunos/as nas formas escolares sofreu os efeitos desse quadro: a resistência às atividades propostas, a dificuldade de permanência na sala de aula sob vários subterfúgios incluindo a fuga, a agressividade entre as crianças. Essa situação colocou um sério desafio: como estabelecer a ação educativa no limite entre o humano e o desumano?