Educação integral e escola no Brasil contemporâneo
No caso dos sistemas de ensino, vimos que, no contexto social e educacional específico do período pós-proclamação da República, já se falava em “educação integral” ou “ensino integral”, e que a forma de conceber essa integralidade estava relacionada às visões de mundo dominantes naquele contexto. Constatamos, ainda, que, em tal cenário, a organização da educação escolar passou por mudanças em relação a aspectos como espaço, tempo, sujeitos envolvidos, currículo (conteúdos/atividades desenvolvidas), gestão, para atender às necessidades identificadas a partir das referidas concepções.
No módulo II, tomamos contato com outras concepções de educação integral que foram formuladas ao longo do século XX e vimos também que cada uma delas trazia implicações para o modo de organizar a escola em relação aos mesmos aspectos destacados anteriormente.
A realidade social foi mudando e hoje vivemos em um país bastante diferente daquele Brasil que emergiu da Proclamação da República. Nossa população é predominantemente urbana, tem acesso às possibilidades e, ao mesmo tempo, enfrenta os desafios e problemas da vida nas cidades, marcadas pela desigualdade. As mulheres participam fortemente do mercado de trabalho. As famílias têm novas estruturas e novas dinâmicas de funcionamento, experimentam novos tipos de relações. Diferentes tecnologias de informação e de comunicação permeiam o cotidiano e modificam os processos sociais. Os conhecimentos e informações multiplicam-se com grande velocidade; o leque de competências e habilidades necessárias ao exercício da cidadania também se amplia. Movimentos sociais lutam e conquistam direitos de grupos tradicionalmente discriminados, como as mulheres, os afrodescendentes, os indígenas, os homossexuais e a população do campo, por exemplo; e essa luta inclui a defesa da legitimidade e do valor de diferentes saberes e práticas, não apenas aqueles tradicionalmente selecionados pela escola para transmissão. No campo educacional, as crianças e jovens brasileiros têm, hoje, acesso praticamente universalizado ao Ensino Fundamental, mas não ao Ensino Médio. Em ambos os níveis de escolaridade, a permanência na escola e a qualidade do ensino ainda são grandes desafios.
É nesse cenário que se instala uma tendência de ampliação do tempo na escola e se recoloca a discussão sobre educação integral. A ampliação da jornada escolar na rede pública de ensino apresenta-se como premência, em virtude tanto de necessidades sociais, ligadas à garantia dos direitos de crianças e jovens, quanto de demandas propriamente educacionais, relacionadas ao tempo necessário à qualidade da educação, diante das demandas contemporâneas. Processos como os descritos no parágrafo anterior, para citar apenas alguns, fazem com que “educar integralmente” seja visto, mais do que nunca, como uma necessidade.
Mas, o que significa, hoje, educar integralmente? Como organizar essa ampliação da jornada escolar de modo a efetivar uma educação integral? Que aspectos contemplar no currículo? Como organizar o tempo expandido? Em que espaços? Com que atores?
Essas são perguntas que vêm sendo respondidas de diferentes maneiras no contexto brasileiro atual. Uma pesquisa nacional, financiada pelo MEC (2009), teve como objetivo justamente mapear e conhecer melhor esses diferentes formatos. Vejamos alguns exemplos levantados pela pesquisa:
Unidade Integrada Municipal Sinhá Castelo –Caxias - MA Localizada na zona rural do município de Caxias, no Maranhão. Nessa escola funciona, desde 2006, uma COM-VIDA, Comissão de Meio Ambiente e Qualidade de Vida, voltada para a preservação ambiental, por meio do envolvimento da comunidade. A escola não tem um projeto específico de ampliação da jornada escolar, mas a educação ambiental é considerada um importante componente da formação integral dos alunos. Os alunos participam de atividades como: Horta na Escola, limpeza dos rios locais, produção do jornal e vídeo sobre meio ambiente, recuperação das veredas e nascentes na comunidade, implantação de roças verdes (plantio sustentável) nas casas das famílias. T, todas essas atividades ocorrem no contra-turno das aulas, conforme as necessidades de trabalho. A escola privilegia um trabalho de educação ambiental que integra e a escola e a comunidade, realizando trocas do conhecimento produzido na escola com saberes e práticas da comunidade. Na escola Sinhá Castelo, a ampliação das dimensões de formação dos alunos se dá a partir das potencialidades e desafios do espaço, e se desdobra em conhecimentos nos campos da Geografia, História, Ciências Naturais, letramento, mas também do pertencimento social e da cidadania. |
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CAIC Helyon de Oliveira – Juiz de Fora / MG Os CAICs – Centros de Os Apoio Integral à Criança e ao Adolescente – fizeram parte de uma política pública federal da década de 1990. O CAIC Helyon de Oliveira foi criado em 1994, em um bairro da periferia de Juiz de Fora. Tem como eixo de trabalho a integração comunidade-escola. Além do ensino regular, oferece uma série de projetos, em módulos de cinquenta minutos cada um, tais como: ginástica, futebol, informática, acompanhamento escolar (reforço), artesanato, teatro, vôlei, contação de histórias, dança. Os projetos podem ser oferecidos em até três turnos e funcionam mediante matrícula, aberta tanto aos alunos da escola (cada aluno pode se matricular em até três projetos, em turno diferente daquele no qual frequenta o ensino regular) quanto às pessoas da comunidade (adultos, idosos, jovens e crianças). Assim, a ampliação da jornada não é assegurada para todos os alunos, mas ligada ao desejo deles. A maioria dos estudantes que participam do projeto não almoçam na escola. Os projetos acontecem em espaços apropriados a cada atividade (ateliês de artes, quadras, palco, laboratório de informática, etc.), no próprio prédio escolar. Os responsáveis pelo desenvolvimento dos projetos são professores contratados ou efetivos. |
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Programa Escola Integrada – Belo Horizonte / MG O Programa Escola Integrada, da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte, prevê a permanência das crianças na escola por 9 horas diárias, incluindo turno regular, almoço, higiene e oficinas realizadas no contraturno, com duração de 1h30min cada. As oficinas são ministradas: a) por estudantes das Universidades parceiras, os quais recebem uma bolsa mensal e são orientados por professores universitários, ou b) por agentes culturais da comunidade, contratados pela Caixa Escolar. Há um vasto “cardápio” de oficinas possíveis, de acordo com as ofertas das Universidades e dos agentes culturais. Cada escola monta seu programa de oficinas a partir desse cardápio, contemplando tanto atividades de caráter esportivo, artístico e cultural quanto outras mais estritamente pedagógicas. A Escola Municipal Paulo Freire, por exemplo, oferece uma grande variedade de oficinas: dança, ginástica rítmica, vôlei, futebol, taekwondo, jogos e brincadeiras, xadrez, flauta, violão, artesanato, intervenção nos muros, piquenique, Educação Ambiental, Educação Sexual, higiene e saúde, ECA e cidadania, Inglês, Espanhol, intervenção pedagógica, intercâmbio cultural, jornal, artes e ofícios, Informática, para casa. As oficinas podem ser realizadas em espaços da escola ou da comunidade, sendo valorizada a relação com o território e, portanto, a utilização de locais como praças, clubes, museus, centros culturais e outros. Nesse sentido, o Programa prevê a articulação intersetorial de diferentes Secretarias e órgãos da Prefeitura Municipal, a fim de viabilizar o acesso e as condições de utilização de vários espaços da cidade. A fotografia, disponível no blog da Escola Municipal Maria das Neves (http://emmnpbh.blogspot.com), retrata uma das atividades do Programa Escola Integrada nessa escola. |
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Programa Mariana Cidade-Escola – Mariana / MG Todas as escolas de Ensino Fundamental da rede municipal de Mariana oferecem aos alunos a possibilidade de jornada diária de 9 horas, incluindo ensino regular, almoço, higiene e participação em oficinas realizadas no contraturno escolar. As oficinas são ministradas por monitores contratados pela Secretaria Municipal de Educação, os quais podem ou não ter formação específica na área de Educação (exigência de Ensino Médio completo). A Secretaria Municipal de Educação prevê, para cada ano, um “cardápio” de oficinas dentre as quais as escolas fazem suas escolhas, sendo uma parte delas, entretanto, de oferta obrigatória para a escola. Incluem-se, nesse “cardápio”, oficinas de aprendizagem (deveres de casa e reforço escolar), esportes, cidadania ambiental, Educação Patrimonial, cultura, diversidade e História, artesanato e saber popular, teatro, formação musical, dança, Inglês e Informática. Na maior parte das escolas, as oficinas são realizadas nas dependências do próprio estabelecimento. Quando isso não é possível, a Secretaria de Educação aluga espaços na comunidade, que funcionam como “anexos” da escola. A participação dos alunos no Programa se dá mediante adesão das famílias. A fotografia retrata um momento de culminância do Projeto, que é o Festival de Artes Integradas, no qual são apresentados números artísticos resultantes do trabalho nas oficinas. |
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Escola Padrão de Tempo Integral - Palmas /TO Uma das modalidades de atendimento escolar em tempo integral desenvolvidas em Palmas – TO é a “Escola Padrão de Tempo Integral”, como é o caso da Escola de Tempo Integral Padre Josimo Tavares. A escola possui prédio especialmente construído para abrigar o projeto de tempo integral, incluindo uma quadra poliesportiva, duas piscinas, dois pátios, refeitório, biblioteca e um bom auditório, além das salas de aula. Os alunos têm uma jornada escolar diária de 9 horas e meia, incluindo desjejum, almoço e lanche, bem como atividades educacionais que constituem uma grade curricular extensa e diversificada. Além do currículo básico, há atividades extras de Linguagem e de Matemática, de Artes e de esporte, dadas em forma de oficinas, no contraturno das aulas regulares. Porém, na prática, não há uma divisão explícita entre esses dois tempos, já que oficinas e aulas são dadas por professores. Também há oficinas de treinamento após o horário regular, em que os alunos interessados desenvolvem suas aptidões artísticas e/ou esportivas em atividades como natação e dança. Todas as atividades acontecem dentro da escola, orientadas por professores. |
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