No módulo 3, discutimos o desenvolvimento da Educação Integral no Brasil, compreendemos a contextualização histórica, os marcos legais e visualizamos os programas e as políticas de educação integral na educação básica brasileira. Falamos muito sobre o desenvolvimento da educação integral, não é mesmo?

Mas, quando falamos em educação integral, o que queremos dizer? Qual o significado desse termo? Toda educação é integral? Por que denominar a educação como integral? Existe uma única concepção ou há diferentes concepções de educação integral?

Neste módulo, vamos discutir as idéias acerca de educação e de educação integral e como a compreensão de uma educabilidade integral nos dias de hoje nos provoca a pensar as crianças e jovens como sujeitos e ampliar os saberes que temos sobre a escola e o papel dos educadores nesse processo.

"É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança"Provérbio Africano

Segundo o autor Carlos Rodrigues Brandão (1985), a educação está em todos os lugares. Na vida social, vivemos a todo momento uma diversidade de práticas e de experiências que produzem um contínuo processo de socialização, assimilamos e recriamos papéis sociais, normas de convívio, códigos de conduta e valores, enfim, apreendemos a sociedade.

Desse modo, existem inúmeras educações, pois ensinar e aprender são próprios das relações que se dão na família, na escola, no campo de futebol, na praça, no museu, na internet... A educação se dá na sociedade e reflete o contexto onde ocorre.

"Ninguém escapa da educação. Em casa, na rua, na igreja ou na escola, de um modo ou de muitos, todos nós envolvemos pedaços da vida com ela: para aprender, para ensinar, para aprender e ensinar. Para saber, para fazer, para ser ou para conviver, todos os dias misturamos a vida com a educação." Carlos Rodrigues Brandão (1985)

Segundo Brandão, em vários momentos da história, tipos diversos de sociedade criaram diferentes maneiras para lidarem com o saber, pois a educação é um fenômeno social, cultural e histórico. Em todas as dimensões da vida existem processos educacionais e em todos os instantes desenvolvemos ações de ensino e de aprendizagem.

Vejamos, como exemplo, os episódios a seguir, relatos de uma pesquisa feita com crianças indígenas Pataxó e nos ajudam a pensar em como a educação se dá nas relações sociais e no diálogo com o universo cultural.

 

O cacique Soin Pataxó estava voltando da horta com um saco cheio de mandiocas que acabavam de ser colhidas. Ele chamou as crianças para mostrar um brinquedo [...]. Separam as mandiocas boas das ruins (que são as que ficariam amargas ao serem cozidas), explicando às crianças como fazer para saber qual estava ruim, pela dureza da casca ele disse:
Essas vão para panela e essas vão para o brinquedo.
Falando com calma, cada passo da construção do brinquedo, com a ajuda de um facão ele mostrou às crianças que podem fazer com as mandiocas ‘ruins’ um burrinho para brincar. O cacique lembra, ainda, às crianças que no seu tempo de menino ele morava em Barra Velha na Bahia e que esse era uns dos brinquedos de que mais gostava.

Fonte: CARVALHO, 2007

Essa experiência permitiu às crianças, ao mesmo tempo, brincar e se apropriarem de saberes, como escolher a mandioca certa para fazer brinquedos. Além disso, as crianças construíram saberes sobre a natureza e sobre o uso de seus elementos, o que consiste numa forte característica da vida na aldeia. Nas relações sociais, as crianças incorporaram à cultura pataxó, seus elementos mitológicos e valores que marcam sua relação com o meio ambiente. Veja esse outro diálogo das crianças indígenas:

As crianças brincavam de correr próximo à horta, quando se iniciou o seguinte diálogo:
Menino 1: – Você está Pisando no feijão! Saí daí!
Menino 2: – Não tinha visto, esse feijão é de Dione?
Menino 1: – Não sei de quem é, mas não vamos pisar aqui.
Quem maltrata a natureza o pai da mata pega, quem faz maldade a caipora faz perder o caminho.

Nesses exemplos, vimos como a vida social é marcada por ensinamentos e aprendizagens. Essas experiências existem em todas as esferas e práticas de nossas vidas. Nesse sentido, a educação ocorre

"(...) em um complexo de experiências, relações e atividades, cujos limites estão fixados pela estrutura material e simbólica da sociedade, em determinado momento histórico. Nesse campo educativo amplo, estão incluídas as instituições (família, escola, igreja, etc.), assim como também o cotidiano difuso do trabalho, do bairro, do lazer." DAYRELL, 143: 2001

No entanto, apesar dessas evidências, ainda permanece no imaginário social a concepção de educação reduzida à educação escolar e formal. Como observa Arroyo (2001), a escola não constitui a principal fonte para a construção do projeto de vida dos sujeitos. Contudo, o correto é compreendê-la como um dos espaços e tempos educativos, formadores e culturais essenciais.

Os tempos e espaços escolares são imprescindíveis. No entanto, há outros espaços e instâncias, como o local de trabalho, os círculos de amizade, as redes sociais virtuais, os veículos de comunicação de massa e a própria convivência na cidade, no trânsito, nos espaços púbicos, onde também acontecem processos formativos.

Um outro exemplo pode ser visto em grupos culturais juvenis, como os grupos de rap. Nos discursos musicais produzidos por eles, revela-se uma reação dos jovens da periferia aos problemas sociais que os atingem de forma específica, como se observa no trecho da seguinte letra de música:

O racismo e o machismo é demais
(não tá com nada)
Queremos estar ao lado e não atrás
Ele pode tudo, eu vou ver se eu posso
Ele vai onde quer e não respeita o próximo.
No jogo da submissão devo pedir permissão
Acha que é meu dono, mas não é não.
Nossas diferenças devem servir de força e não de empecilho
Não vamos calar a boca
Exigimos respeito dentro dos nossos direitos
Sexismo, injustiça, preconceito
Ao ouvirem nossa posição
Preferiram que estivesse em sua frente dançarina do Faustão
Patricinha de shortinho, pele clara, cabelo lisinho.

Fragmento de “Que venha a folga, ainda que tardia” do grupo de rap feminino Negras Ativas da cidade de Belo Horizonte.

Quando produzem um rap como esse, essas jovens interpretam, ressignificam e problematizam elementos como o preconceito, fator comum em suas realidades. Essa problematização foi elaborada nas experiências de sociabilidade dessas jovens, nos encontros de convivência com seus pares, espaços onde circulam suas opiniões e interesses, onde elas apreendem valores e constroem projetos de vida.

Nós nos constituimos como sujeitos nas relações que estabelecemos em diferentes instâncias de sociabilidade e trocas culturais. Veja o exemplo do educador Gil Amancio, ele relata como suas relações sociais foram fundamentais na comprenssão que ele tem hoje sobre educação e cultura, e na constituição da sua própria identidade:

Flashes de viagem

Confira o depoimento do arte educador Gil Amancio, no I Seminário Teias de Cidadania, em dezembro de 2009:

O arte educador Gil Amancio tem experiências no campo da música e teatro, além de acompanhar diversos projetos de educação e cultura. Atualmente, é membro do grupo NEGA – Núcleo Experimental de Arte Negra e Tecnologia.

Mas, como a escola pode dialogar com essas experiências? Como considerar na escola esses processos educativos e saberes construídos nas diferentes realidades socioculturais? Como a escola pode articular esses saberes aos saberes escolares?

Essas são questões que pretendemos responder ao longo de todo o curso, tendo como pressuposto a idéia de que os diversos campos de aprendizagem se complementam, pois na vida cotidiana mesclam-se as várias práticas: sociais, culturais e educativas.

Vocês podem estar se perguntando: Por que essa compreensão mais ampla do termo educação é necessária para discutirmos a educação integral?

Porque, ao considerar essa perspectiva, passamos a compreender que a educação integral articula-se a uma ampla rede de atores, de práticas e de instituições sociais.

O projeto “Ser-tão Brasil”, por exemplo, ocupa ruas, escolas, praças, centros sociais integrando saberes de educadores sociais, mestres populares, crianças e jovens tendo como eixo a valorização da cultura popular brasileira.

Seguindo trilhas

Ser-tão Brasil http://redesertaobrasil.wordpress.com/

Este blog reúne grupos culturais de 12 comunidades de Salvador e 16 cidades do interior da Bahia. A partir de articulações político-culturais, pelo bem comum e possibilidade da vida simples e digna em cada lugar, busca inspirar novas experiências organizadas coletivamente, com e pela juventude, que valorizem a criatividade, a liberdade, a criação artística, as culturas tradicionais locais, a relação do homem com a terra e as formas solidárias de sobrevivência.

No site, vocês poderão conhecer inúmeras ações do projeto, vale a pena visitar a programação dos festivais e refletir como essas são atividades que podem contribuir efetivamente para a construção da cidadania.

O projeto é coodernado pelo CRIA – Centro de Referência Integral de Adolescentes, que tem sede em Salvador. O CRIA é um marco nacional nas práticas educativas que valorizam a formação cultural e cidadã de jovens, vale a pena navegar pelo site: http://blogdocria.blogspot.com/

Quando ampliamos nossa visão acerca da educação, somos provocados a refletir que as experiências de educação integral devem considerar o desenvolvimento de todas as potencialidades humanas, as identidades culturais, contextos sociais e principalmente construir “uma prática pedagógica globalmente compreensiva do ser humano em sua integralidade, em suas múltiplas relações, dimensões e saberes” (GUARÁ, 01: 2007).

Pensar uma educação integral é pensar na formação humana de crianças e de jovens, em conexão com a sociedade mais ampla, mas com laços sociais que sustentem o direito à educação e à proteção social desses sujeitos.

Uma forma de aprofundar um pouco mais esse debate é conhecer, por exemplo, o trabalho do CENPEC - O Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária. As ações do Cenpec têm como foco a escola pública, os espaços educativos de caráter público e as políticas e iniciativas destinadas ao enfrentamento das desigualdades.

Seguindo trilhas

CENPEC www.cenpec.org.br

O Cenpec - O Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (CENPEC) é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, criada em 1987. Tem como objetivo o desenvolvimento de ações voltadas à melhoria da qualidade da educação pública e à participação no aprimoramento da política social.

No site vocês poderão conhecer inúmeras experiências, relatos de projetos e publicações que integram as discussões de educação e ação comunitária.

Quem são as crianças e os jovens para os quais estamos pensando essa educação integral? Como se constituem como sujeitos e como apreendem o mundo, seus conhecimentos, seus valores éticos, morais, estéticos, sua cultura?

O modo como vemos e pensamos esses sujeitos interfere no modo como nos relacionamos com eles. Ao pretendermos desenvolver um trabalho com crianças e jovens, torna-se necessário compreender quem são esses sujeitos socioculturais, quais as suas demandas, suas necessidades e suas expectativas.

A educação integral só terá sentido se for realizada com o claro objetivo de garantir os direitos e criar oportunidades legítimas de formação das crianças e jovens. Um desafio para nós educadores é construir um olhar sensível aos sujeitos com os quais trabalhamos e criar oportunidades para que eles se desenvolvam em todas suas dimensões físicas, afetivas, cognitivas e sociais.

Apesar de sempre ter havido crianças, nem sempre houve a idéia da infância.

O reconhecimento de que ser criança é diferente de ser adulto, ou seja, a idéia de que a infância é um ciclo da vida específico e singular foi historicamente construída.

Hoje, há um conjunto de representações sociais sobre as crianças, que as compreende como atores sociais. Tal idéia coloca-nos em oposição a uma concepção de infância considerada como simples objeto passivo de uma socialização orientada por instituições ou agentes sociais, uma folha em branco em que nós adultos poderíamos escrever o que quisermos.

É importante rompermos com concepções tradicionais dominantes acerca das crianças que os definem como seres irresponsáveis, imaturos, incompetentes.

Algumas ideias sobre a criança...

No período da infância, o mundo ganha significado na experiência simbólica, por meio das interações entre as crianças e entre essas e os adultos. Nessa interação, a criança compreende o mundo, experimenta suas emoções e elabora suas experiências, interpretando e aprendendo.

A imaginação é um exercício que faz parte da construção da visão de mundo pela criança e é uma forma própria de aprender. No desenrolar da brincadeira, a criança mistura o tempo todo vivências que são imaginárias com decisões e circunstâncias que são concretas. Essa transposição imaginária de situações, pessoas, objetos ou acontecimentos ajuda a criança a interpretar e a compreender o mundo, e ainda a construir pensamentos concretos. Fazer de conta é também um elemento central da capacidade de resistência que as crianças possuem diante das diferentes situações.

A necessidade do coletivo é outra forte característica da ação da criança. Em suas interações e em brincadeiras coletivas, as crianças impõem regras, combinados e punições, que podem exercitar seu autocontrole, ao serem obrigadas, por exemplo, durante a ação do jogo, a adaptar suas próprias ações às do companheiro;ou, em uma negociação, a ouvir a opinião do outro e a construir acordos, considerando todas as idéias e interesses. Nas interações com irmãos, adultos e, principalmente, com seus pares, a criança internaliza ações, comportamentos e saberes, notadamente quando a situação vivida envolve coisas que ela não sabe.

Ultrapassando fronteiras

Para ampliar essas reflexões, sugerimos a leitura dos seguintes textos:

1) GOUVEIA, Maria Cristina Soares de. Infância, sociedade e cultura. In: CARVALHO, Alysson et al (org). Desenvolvimento e aprendizagem. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

2) Sobre infâncias e cultura. Levindo Diniz Carvalho.

3) Os modos peculiares de ver, sentir e estar no mundo que as crianças possuem lhes dá outras lentes diferentes das dos adultos para ver e perceber a cidade. Convidamos você também para ler o texto de Fernanda Müller, disponível aqui (ANEXO 1).

A legislação internacional, acompanhando os desenvolvimentos científicos, consigna à criança o estatuto de cidadão de plenos direitos. Trata-se, efetivamente, de conferir à criança um estatuto conceitual e cívico em plano de igualdade com os outros grupos ou categorias geracionais, no quadro da sua especificidade.

Essa especificidade da infância pode ser reconhecida em suas produções culturais, manifestada por meio de brincadeiras, músicas e desenhos, linguagens pelas quais as crianças apreendem e significam o mundo. O portal Cultura da Infância é um espaço para trocas de experiências e relatos de projetos sensíveis às culturas da infância e reúne interessantes exemplos de trabalho.

Os aspectos históricos, sociais e culturais conformam diferentes infâncias. É muito diferente ter sido criança num tempo ou noutro, ser criança num lugar ou noutro, em grupo ou noutro, em uma família ou em outra. Nesse sentido, diferentes crianças, embora tenham traços comuns e características recorrentes em vários ciclos da vida, possuem identidades próprias ou múltiplas identidades construídas a partir de suas interações sociais.

É necessário rompermos com a visão de que as crianças são problemas, e ainda reconhecer a situação estrutural, os contextos de violação dos direitos e as precárias condições de vida e de sociabilidade de muitas crianças.

Uma imagem de criança na escola ou na rua, nos limites da sobrevivência ou na violência e até no tráfico pode ser um gesto trágico, frente ao qual não cabem nem políticas sociais compassivas, nem didáticas neutras. E, menos ainda, autoritárias posturas de condenação. Diante da barbárie com que a infância e a adolescência populares são tratadas, o primeiro gesto deveria ser ver nelas a imagem da barbárie social. A infância revela os limites para sermos humanos em uma economia que se tornou inumana.Miguel Arroyo (2004)

A privação de direitos e as práticas educativas que não reconhecem a especificidade da criança trazem como consequência a ideia de que “ser criança não significa ter infância”.

Flashes de viagem

Assistam à roda de conversa “O sujeito na Educação Integral” em que os professores do TEIA/UFMG fazem uma discussão acerca dos sujeitos da educação integral. Eles chamam a atenção para a necessidade de se ampliar o olhar sobre esses sujeitos, percebendo as várias nuances de seus processos formativos. A roda de conversa traz imagens e depoimentos de professores de escolas que oferecem educação integral, sobre as perspectivas educadoras da escola e contribuições de pesquisadores e educadores que nos apresentam questões instigadoras de novas reflexões sobre os sujeitos educandos.

Assim como a infância, a noção de juventude é socialmente construída, sendo um grupo social diverso, no qual estão presentes diversas condições tais como a classe, a etnia, o gênero, entre outras, o que implica compreendê-la na sua diferença. Na tentativa de contribuir para essa compreensão, apresentaremos, a seguir, o que entendemos quando nos referimos a essa fase da vida.

Elaborar uma definição do que seja a juventude não é uma tarefa fácil. Isso porque, por um lado, há uma dificuldade de construir uma definição que consiga abranger a heterogeneidade do real e, por outro, é possível observar que algumas representações sobre esse segmento estão presentes no imaginário social, interferindo na sua compreensão. Contudo, segundo Abramo (1994), dentro dessas séries de imagens, é possível identificar algumas definições básicas e amplamente generalizadas.

A primeira imagem tende a apreender a juventude como uma etapa de transição, como um período de preparação para o ingresso na vida social adulta. Nesse sentido, por um lado, o jovem é apreendido pela sua negatividade, ou seja, é definido pelo que ainda não é e, por outro, pela indeterminação, representando um estado incerto, o qual não se é mais criança e, também, ainda não se é adulto.

Essa concepção está muito presente na escola: em nome do “vir a ser” do aluno, traduzido no diploma e nos possíveis projetos de futuro, tende-se a negar o presente vivido do jovem como espaço válido de formação, bem como as questões existenciais que eles expõem, bem mais amplas do que apenas o futuro. (CARRANO; DAYRELL, 02: 2002)

Outra imagem presente é a idéia de que a juventude está à margem da vida social, sendo um tempo de liberdade, de prazer e de comportamentos exóticos. Aliada a essa concepção, há a tendência em considerar a juventude como um período para o ensaio, para o erro e para as experimentações.

Outra atitude comum, nas tentativas de conceituação da juventude brasileira é considerá-la como uma fase de vida marcada por certa instabilidade decorrente de problemas sociais. Isto é, uma imagem da juventude sempre vinculada a um problema social.

Observa-se, então, que essas concepções são HOMOGENEIZADORAS porque assumem que os jovens têm características, valores, desejos, necessidades e condições de vida iguais fazendo com que, portanto, sejam homogêneos. Assim, são ESTIGMATIZADORAS, pois consideram que determinados estigmas sobre os jovens são inatas ou naturais, isto é, já nascem com eles e são comuns nessa fase da vida.

Nesse sentido, como afirma Dayrell (2003), é necessário que essas imagens sejam questionadas porque tendem a analisar e a compreender os jovens pelo que eles não são, ressaltando as características que lhes faltariam para corresponder a um determinado modelo de ser jovem. Dessa forma, não se consegue apreender os modos pelos quais os jovens, principalmente se forem das camadas populares, constroem as suas experiências como tais, muito menos apreender as suas demandas.

Essas concepções e imagens que construímos sobre os jovens e suas possibilidades de formação e de construção de projetos de vida são tratadas de maneira interessante nos vídeos “Juventude” e “Adolescência”, vamos assistir a eles?

Flashes de viagem

Vídeo "Juventude" - Programa Nota 10

Uma produção do Canal Futura, que, além de debater as imagens que contemporaneamente construímos sobre jovens, traz reflexões de especialistas acerca das relações do jovem com a escola.

Vídeo "Adolescência"

Regina Casé insere-se na rotina de Armando, morador de uma comunidade marcada por vulnerabilidade social, no Rio de Janeiro, e discute com esse adolescente quais incômodos e quais benefícios o “ser adolescente” lhe proporciona. Esse vídeo também é uma produção do canal Futura.

Adolescência - Regina Casé - pt 1 /3.

Adolescência - Regina Casé - pt 2 / 3.

Adolescência - Regina Casé - pt 3 / 3.

Tomando como orientação as discussões propostas por diversos (as) autores (as), alguns pressupostos devem ser considerados, ao se analisarem questões ligadas às categorias de idade. Um primeiro aspecto é a compreensão que a juventude não é uma categoria natural, sendo, portanto, socialmente produzida. Nesse sentido, as representações sobre a juventude e a posição social que os jovens ocupam adquirem significados particulares em contextos históricos, sociais e culturais distintos. Abramo (1994) acrescenta que, em apenas algumas formações sociais, a juventude configura-se como um período destacado, como uma categoria com visibilidade social. Portanto, a compreensão dessa fase é socialmente variável, uma vez que a definição do tempo de duração, dos conteúdos e dos significados sociais desses processos apresenta variações entre as sociedades e segundo os grupos sociais de uma mesma sociedade.

Outro aspecto que deve ser considerado e relacionado ao anterior reside no fato de que as categorias de idade são construções históricas. Nessa perspectiva, as formas de periodização da vida e a definição de práticas relacionadas a cada período sofrem variações fundamentais no tempo. Sob essa perspectiva, Novaes (2006) ressalta que pensar a juventude brasileira contemporânea implica, por um lado, considerar a enorme diversidade contextual e sociocultural existente e, por outro, apreender as marcas geracionais comuns que caracterizam um determinado momento histórico.

O QUE SIGNIFICA SER JOVEM EM UM TEMPO DE:

Trabalho restritivo e mutante;

Multiplicação da violência tanto física quanto a simbólica;

Evidentes riscos ecológicos;

Rápidas mudanças tecnológicas?

Nessa perspectiva, entendemos que é fundamental considerar, ao se pensar as idades da vida, as relações entre as dimensões históricas, culturais, sociais e biológicas, pois, se há características universais (dadas pelas transformações biológicas) que acontecem numa determinada fase, a forma como cada sociedade, em um momento histórico determinado, e no seu interior, cada grupo social representa e convive com essas transformações é muito diversificada, pois, em cada tempo e lugar, são muitas as juventudes.

Essa diversidade concretiza-se com base nas condições sociais (classes sociais), culturais (etnias, identidades religiosas, valores) e de gênero, e também das regiões geográficas, dentre outros aspectos. DAYRELL, Juarez. 41: 2003.

Nesses termos, compreendemos que a vivência da experiência juvenil tem um sentido em si mesmo, não sendo somente uma passagem para a vida adulta. Trata-se, portanto, de pensarmos a juventude desligada de critérios rígidos e fixos, como uma etapa da vida com um início e um fim predeterminados, mas como parte de um processo mais amplo de constituição de sujeitos, que tem especificidades que marcam a vida de cada um.

A questão posta é menos sobre a possibilidade ou impossibilidade de viver a juventude, e mais sobre os diferentes modos como tal condição é ou pode ser vivida.

Ultrapassando fronteiras

1- Juventude Urbana

Atualmente, quando lançamos o olhar sobre as juventudes urbanas e seus modos de vida, vislumbramos culturas juvenis diversas, por exemplo, representados por grupos como: góticos, pichadores, japas e manos, baladeiros e instrumentistas, baladeiros do Senhor, baladeiros black e das rodas de samba, forrozeiros, etc. Essa diversidade nas maneiras de ser dos jovens e seus modos de vida geram sociabilidades distintas no ambiente urbano o que precisa ser visibilizado para que, dentre outras lutas e conquistas, possamos garantir o direito à cidade para estes sujeitos.

Nessa perspectiva, o Núcleo de Antropologia Urbana da USP – NAU - organizou uma publicação, intitulada “Jovens na Metrópole, que traz à tona as diversas relações existentes entre a Juventude e o espaço urbano. Conheça o NAU.

Acesse o link do texto “Circuitos dos jovens urbanos”, de autoria do antropólogo e pesquisador do NAU José Guilherme Cantor Magnani e saiba mais sobre a vida dos jovens na metrópole e seus modos de socialização.

2- Juventude Rural

Para ampliar um pouco mais o seu olhar sobre a identidade e vivência do jovem do campo, assista ao vídeo Diz aí Juventude Rural -Educação. Disponível no youtube.

Diz Aí Juventude Rural é uma série de programas de curta duração, com temáticas relacionadas à juventude do campo. Essa série apresentada traz a experiência da escola família agrícola - EFAs - do Brasil.

Para saber mais sobre a juventude do campo acesse o site do Diz Aí Juventude Rural

Podemos indicar que crianças e jovens nos desafiam a pensar uma educação integral que contemple a formação humana, o exercício da cidadania e o direito de aprender. Assim, pensar na educabilidade desses sujeitos pressupõe pensar em:

Identidade e autonomia

Crianças e jovens são sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento. Uma formação para a cidadania reconhece cada ciclo de vida, suas peculiaridades e suas necessidades de proteção, socialização, aprendizagem e ainda valoriza a identidade cultural e étnica e de gênero de cada sujeito.

A educação para a autonomia implica a formação de sujeitos, a auto-reflexão e a determinação para compreender, analisar e avaliar o vivido, vinculando a experiência educativa à realidade dos sujeitos e aos seus desafios, escolhendo e agindo conscientemente diante de diferentes cursos de ação possíveis.

Protagonismo e participação

A formação integral e o exercício da cidadania também se dão na medida em que as crianças participam dos processos de pesquisa e de aprendizagem, vivenciam a convivência com o coletivo, tomam decisões, são responsáveis por tarefas, se dirigem para a organização dos espaços e dos tempos, ou seja, são percebidos e tratados como sujeitos protagonistas.

Nesse processo, elas constroem capacidades, habilidades e competências a partir de suas reais necessidades e de seu posicionamento crítico e reflexivo.

Convivência familiar e comunitária

Tanto a Constituição Federal quanto o ECA definem o direito à convivência familiar e comunitária como um direito fundamental. Ampliar o tempo de educação formal de crianças e jovens é também considerar que os processos educativos podem ocorrer na relação com a comunidade, por meio de seus sujeitos e espaços de convivência e trocas culturais.

CURSO DE APERFEIÇOAMENTO / ATUALIZAÇÃO: “EDUCAÇÃO INTEGRAL: ESCOLA E CIDADE”
MÓDULO 4 – Educação Integral e Integrada: reflexões e apontamentos
UNIDADE 1 - Conceitos e definições

Autores:

André Deodato (Mestrando em Educação – FAE/UFMG)
Brenda Rios (Especialista em Lazer - FAE/UFMG)
Camila do Carmo Said (Mestre em Educação – FAE/UFMG)
Levindo Diniz Carvalho (Doutorando em Educação – (FAE/UFMG)
Lúcia Helena Alvarez Leite (FAE/UFMG)

Referências bibliográficas:

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    ABRAMO, H. W. Condição juvenil no Brasil contemporâneo. In: ABRAMO, Helena W. e BRANCO, Pedro Paulo M. (org). Retratos da Juventude Brasileira. Análise de uma pesquisa nacional. São Paulo: Instituto Cidadania; Fundação Perseu Abramo, 2005, p. 37 –72.

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    ARROYO, Ml. A educação de jovens e adultos em tempos de exclusão. Alfabetização e Cidadania. SP, n.º 11, RAAAB, p. 10-20, 2001.

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    BRANDÃO, Z. Escola de tempo integral e cidadania escolar. . In: Em Aberto. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Brasília, v.22, n.80, p. 97-108, abr. 2009.

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