São muitos os desafios para se pensar uma proposta de educação Integral que esteja afinada com a realidade contemporânea. Por um lado, a própria concepção de educação integral ganha inúmeros matizes. Por outro, a compressão das especificidades dos sujeitos - crianças e jovens - instiga-nos a criar uma pedagogia para infâncias e para juventudes.

Tendo em vista essa perspectiva, nesta unidade discutiremos alguns saberes que consideramos fundamentais para se pensar a construção de propostas e de práticas em educação integral, sensíveis aos sujeitos e atentas à realidade contemporânea.

Embora não seja uma novidade no campo da educação, os “novos saberes” envolvem discussões que até bem pouco tempo não eram devidamente consideradas e problematizadas nas políticas e nas práticas educacionais. São elas: as relações entre educação e diversidades, e as formas de comunicação e interação por meio das novas tecnologias.

"Cada pessoa tem direito à igualdade, sempre que a diferença inferioriza e tem direito à diferença toda vez que a igualdade homogeneíza." Boaventura Souza e Santos

O que significa pensar a diversidade em propostas e práticas em educação integral? O que pressupõe para nós, educadores, a diversidade? O que implica compreender esse “novo saber” para o trabalho educativo, que exercemos com as crianças e com os jovens?

Acreditamos que pensar em práticas em educação integral provoca-nos a pensar nas diversas condições sociais e culturais, nas singularidades e nas pluralidades existentes que interferem na vivência dos sujeitos com os quais trabalhamos.

Compreendemos que os princípios de se pensar a educação para a diversidade envolvem as várias dimensões que a compõem e que estão presentes no nosso contexto social, como as dimensões de gênero, de religião, de etnia e raça, de sociedade, de cultura, de geografia, dentre outras. No entanto, nesse item, nos limitaremos a discutir as dimensões de gênero e a étnico-racial e sua relação com as práticas educativas.

O debate a respeito dos atributos que definem um homem ou uma mulher é controverso e repleto de armadilhas. Os conceitos de identidade e de gênero, assim como as atitudes e as inclinações sexuais a eles relacionadas, configuram-se desde o nosso nascimento, como observa Giddens (2005), e, por isso, são considerados como fatos inerentes à nossa existência. Para o autor, ao discutirmos as identidades de gênero, é necessário compreender que os termos “sexo” e “gênero” têm significados distintos e que muitas diferenças entre homens e mulheres não são de ordem biológica. Nessa perspectiva, homens e mulheres não são fenômenos naturais, isto é, não são produtos diretos do sexo biológico do sujeito.

Essa compreensão é importante porque nos permite entender que alguns comportamentos e algumas características considerados como universais e essenciais ao universo masculino e feminino são construções sociais, culturais e históricas. Portanto, não estão dados, predeterminados, nem são biologicamente definidos, mas construídos por meio das relações sociais, as quais são atravessadas por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas.

Dessa forma, como nos explica Meyer (2008), não existe uma essência de mulher ou de homem, sendo que ninguém é naturalmente homem ou mulher, masculino ou feminino. Essas noções são construídas e aprendidas durante a nossa vida em diversas instâncias sociais, como a família, a escola, a mídia, o trabalho, a religião, o grupo de amigos, dentre outras, que moldam as nossas identidades de sexo e de gênero.

Implica pensar, também, que como nascemos e vivemos em lugares e tempos específicos, há diversas maneiras de sermos mulheres e homens, no decorrer do tempo ou num mesmo momento histórico, nos diferentes grupos e nos segmentos sociais.

No entanto, ao se rejeitar um determinismo biológico e recolocar o debate no campo sociocultural, uma vez que é nele que se constroem e se reproduzem as relações entre os sujeitos, não há uma pretensão de negar a biologia, mas enfatizar a construção social e histórica produzida sobre as características biológicas.

Entretanto, vocês podem estar se perguntando: o que essa discussão pode contribuir para o meu trabalho? O que nós, educadores e educadoras, podemos aprender com a dimensão de gênero, tendo em vista o meu âmbito profissional, as minhas relações e o meu dia-a-dia?

Essas são questões importantes, que precisam ser colocadas por nós mesmos em nosso cotidiano de trabalho. Não hás respostas prontas, certas ou erradas, mas compreendemos que discutir e aprofundar os temas relativos à dimensão de gênero permite indagar, modificar e até mesmo romper com as relações desiguais entre homens e mulheres, meninos e meninas, existentes no âmbito da nossa realidade. Assim, como nas práticas e nas ações educativas que desenvolvemos.

(...) os brinquedos e brincadeiras que proporcionamos, as atividades que empreendemos no nosso fazer pedagógico, os espaços disponibilizados a meninos e meninas, as falas de ambos, os gestos, os comentários que fazemos os olhares de repreensão ou não que lançamos a cada um deles/cada uma delas diante de seus comportamentos estão repletos de representações a respeito daquilo que entendemos ser o mais adequado para meninos e meninas, homens e mulheres. FELIPE, Jane. 06: 2008

Nessa perspectiva, compreendemos que a educação tem um papel importante a cumprir, pois, por meio de nossas práticas educativas, podemos problematizar, discutir e refletir sobre as percepções que as crianças e os jovens têm a respeito do que é ser homem e do que é ser mulher; sobre as suas representações das relações de gênero e sobre as situações, do ponto de vista da dimensão do gênero, que eles (as) vivenciam socialmente, buscando estratégias e ações de promoção da equidade de gênero nas nossas práticas cotidianas.

Precisamos, então, reconhecer como aprendemos essas coisas que fazemos e em que espaços e em que lugares aprendemos a fazê-las de uma determinada maneira e não de outras. Vamos perceber que essas aprendizagens estão incorporadas em práticas quotidianas formais e informais que nem questionamos mais. Que (...) estão imbricadas na literatura que selecionamos, nas revistas que colocamos à disposição das estudantes para pesquisa e colagem, nos filmes que passamos, (...) no vestuário que permitimos e naquele que é proibido, (...), nas piadas que fazemos ou ouvimos sem nos manifestar, nas dinâmicas em sala de aula e em outros espaços escolares que não vemos ou decidimos ignorar (...). MEYER, Dagmar Estermann. 27: 2008

Toda essa discussão leva-nos a pensar que considerar e compreender a diversidade de gênero em nossas ações educativas pressupõe questionamentos não somente nos conhecimentos e nos saberes com os quais lidamos, mas também, mudanças na nossa postura como educadores, seja na dinâmica das relações com os sujeitos com os quais trabalhamos, seja nas práticas e nas atividades diárias que desenvolvemos cotidianamente, visando contribuir para modificar o imaginário e as representações coletivas negativas sobre as diferenças.

Ultrapassando fronteiras

Para ampliar essas reflexões, sugerimos:

1) A leitura da publicação eletrônica: - Salto para o Futuro –“Educação e Diversidade Sexual”. Ano XXI – Boletim 04 – maio 2011. Secretaria de Educação à Distancia. Ministério da Educação. Disponível também neste site.

2) A visita ao site da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres: http://www.spm.gov.br/

A Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres (SPM) foi criada através da Medida Provisória 103, tendo como desafio a incorporação das especificidades das mulheres nas políticas públicas e o estabelecimento das condições necessárias para a sua plena cidadania. Esse site traz diversas discussões sobre o tema e fornece ao internauta publicações e legislações relacionadas a essa temática.

Discutir a dimensão étnico-racial nas práticas educativas implica pensar o pertencimento racial dos sujeitos e as diferenças e as desigualdades produzidas por esse pertencimento, bem como avaliar como nossas práticas educativas têm contribuído para romper com essas relações desiguais. Apesar de reconhecer que existe uma ampla diversidade étnico-racial em nossa sociedade e que essa temática é muito abrangente e complexa, tanto do ponto de vista social quanto do teórico, o recorte que faremos para a discussão dessa dimensão será a população negra.

Antes de prosseguirmos, é necessário explicitarmos a nossa compreensão e o uso do conceito de raça. Segundo Telles (2003), raça é uma construção social, histórica e política, com pouca ou nenhuma base biológica. Entretanto, esse conceito é importante, sobretudo no Brasil, porque continuamos a classificar e a tratar o outro segundo critérios raciais, os quais são socialmente aceitos.

Gomes (2009) acrescenta que o uso do termo raça possibilita o fortalecimento de distinções sociais, as quais não se enquadram em nenhum critério biológico, mas mesmo assim continuam a ser imensamente importantes nas interações sociais. Podemos perceber biológica e cientificamente que as raças não existem. Isso significa compreender que, do ponto de vista genético, negros, brancos índios e amarelos são iguais, porém, no contexto da cultura, da política e nas relações sociais, a diferença entre ambos foi construída como uma forma de classificação do humano. No entanto, a autora nos explica que o conceito de “raça” tem sido utilizado a partir de uma ressignificação, sendo compreendido como uma construção social, histórica e política que nos permite pensar os lugares ocupados por negros e brancos em nossa sociedade.

Partimos do pressuposto que a dimensão étnico-racial ocupa um lugar de destaque nas trajetórias e nas identidades dos sujeitos. Ser criança e negra, ser jovem e negro (a) significa identidades que as visões, os desejos e as trajetórias desses sujeitos articulam-se não somente com a dimensão geracional e de gênero, mas também de raça (Gomes, 2005). Pensar essa dimensão implica compreender a construção do olhar de um determinado grupo étnico-racial sobre si mesmo, a partir da relação com o outro.

Nessa perspectiva, compreendemos a identidade negra, relacionada às representações sobre o negro e o branco, vivenciadas e aprendidas na dimensão cultural, num processo que envolve desde as primeiras relações estabelecidas no grupo familiar às relações estabelecidas em outros âmbitos sociais.

Devemos entender, assim, que a construção da identidade negra se dá num processo, gradual e contínuo, construído pelo (a) negro (a) nos vários espaços sociais nos quais circulam. No entanto, como nos mostra Gomes (171:2003b), “construir uma identidade negra positiva em uma sociedade que, historicamente, ensina ao negro, desde muito cedo, que para ser aceito é preciso negar-se a si mesmo, é um desafio enfrentado pelos negros brasileiros”.

E é esse aspecto que nos interessa. Pensando nas nossas práticas educativas, será que estamos atentos a essa questão?

Podemos notar que, nas ações e nas práticas pedagógicas, muitas vezes, há manifestações do racismo, tanto por parte dos educadores (as) quanto por parte dos (as) alunos (as), mesmo que de maneira involuntária. Assim, compreendemos que a introdução da discussão sobre a questão racial nos processos educativos pode desencadear uma série de mudanças na vida, na mentalidade e no comportamento das crianças e dos (as) jovens, bem como dos (as) próprios (as) educadores (as).

É o que podemos observar no filme “Vista minha Pele”. O vídeo é um material que nos possibilita problematizar os estereótipos, as práticas discriminatórias e preconceituosas existentes em nossa sociedade.

Flashes de viagem

Vídeo "Vista minha Pele"

O filme baseia-se em uma história invertida, sendo que os negros compõem a classe dominante, enquanto brancos figuram como ex-escravos. Na história, Maria é uma menina branca pobre, que estuda num colégio particular graças à bolsa de estudos que tem pelo fato de sua mãe ser faxineira na instituição. A maioria de seus colegas a hostilizam, por sua cor e por sua condição social. Maria quer ser “Miss Festa Junina” da escola, mas, para isso, precisará enfrentar desde à resistência de seus pais à dificuldade em vender os bilhetes para seus colegas que são, em sua maioria, brancos e pobres.

O que significa pensar e incorporar esse “novo saber” referente à dimensão racial ao nosso trabalho educativo? Que implicações a diversidade racial traz para o nosso trabalho como educadores?

São questões como essas em que precisamos pensar cotidianamente. Acreditamos que lidar com a dimensão racial em nossas ações educativas nos desafia em vários aspectos, pois significa pensar as relações sociais que são construídas entre negros e brancos, identificar e desconstruir estereótipos e preconceitos presentes em nossa sociedade e discutir o racismo, a discriminação racial e os desdobramentos desses fatores na vida dos sujeitos com os quais trabalhamos, assim como verificar em que medida nossas práticas educativas têm incorporado essas discussões.

E é pensando nesse desafio, que a Lei 10.639 de 09 de janeiro de 2003, a qual integra no conteúdo programático a ser desenvolvido nas redes de ensino no Brasil, nas modalidades de Ensino Fundamental e Médio, a obrigatoriedade do ensino da história e cultura da África.

Ultrapassando fronteiras

A Lei 10639 de 09 de janeiro de 2003 pode ser acessada no site: www.planalto.gov.br

Para saber mais acesse a Lei 11.645 de 10 março de 2008. Esta Lei estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”.

Não cabe apenas à educação, isoladamente, resolver o problema da discriminação racial em nossa sociedade, sendo essa uma tarefa para a sociedade como um todo. No entanto, a educação tem um papel extremamente importante a desempenhar nesse processo, sendo também de sua competência promover conhecimentos, práticas e atitudes que possibilitem a contração do preconceito e da discriminação.

Ultrapassando fronteiras

Para ampliar as discussões sobre o tema da diversidade racial, sugerimos:

1) Leitura do seguinte periódico eletrônico: - Salto para o Futuro – "Edição Especial: O impacto do racismo na educação". Ano XXI. Boletim 05 – maio 2011. Secretaria de Educação à Distância. Ministério da Educação. Disponível também neste site.

2) Assistir ao vídeo – documentário "Se eles soubessem" que procura revelar, por meio de imagens e depoimentos de docentes e discentes do Ensino Médio uma experiência escolar que aponta para o reconhecimento e valorização da cultura negra no espaço escolar, buscando perceber as repercussões deste reconhecimento na vida dos/as jovens entrevistados/as.

3) Visita aos sites:

  • Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (www.portaldaigualdade.gov.br)
    A Seppir (Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) foi criada pelo Governo Federal no dia 21 de março de 2003 com o objetivo de estabelecer iniciativas contra as desigualdades raciais no Brasil. O site possibilita conhecer os projetos, programas e as ações do governo federal para a promoção da igualdade racial; ter acesso a arquivos, legislação, materiais e publicações que contemplam a questão racial.
  • Projeto A Cor da Cultura (www.acordacultura.org.br)
    A Cor da Cultura
    é um projeto educativo de valorização da cultura afro-brasileira, fruto de uma parceria entre o Canal Futura, a Petrobras, o Cidan - Centro de Informação e Documentação do Artista Negro, o MEC, a Fundação Palmares, a TV Globo e a Seppir - Secretaria de políticas de promoção da igualdade racial. O projeto teve seu início em 2004 e, desde então, tem realizado produtos audiovisuais, ações culturais e coletivas com distribuição de kits pedagógicos e capacitação de educadores de escolas públicas, valorizando o patrimônio cultural afro-brasileiro.

Seguindo trilhas

Para ampliar as discussões sobre diversidade, educação e educação integral, sugerimos a visita aos sites:

1) Unidade na Diversidade www.unidadenadiversidade.org.br

O Portal Unidade na Diversidade nasceu do esforço conjunto entre o UNICEF, a Comunidade Bahá'í do Brasil, o Geledés - Instituto da Mulher Negra e o Fórum Nacional de Educação em Direitos Humanos, contando com o apoio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade - SECAD. Seu objetivo é oferecer à comunidade educacional brasileira orientações e material didático que contemplem questões de preconceito e de discriminação, baseados no gênero, na raça e na etnia. O site proporciona, também, espaço para envio de sugestões; um fórum para troca de troca de idéias e uma seção exclusiva para envio de projetos e de atividades desenvolvidos nas escolas.

2) Pensar e Agir com a cultura www.pensareagircomacultura.com.br

O Pensar e Agir com a Cultura é um programa de trabalho realizado por uma rede colaborativa de professores, pesquisadores, gestores e consultores e que articula formação e informação nas áreas da gestão e da diversidade cultural. No site, além de encontrarmos notícias e uma agenda eventos em Minas Gerais voltados para a dimensão cultural, é possível se inscrever em oficinas, cursos e seminários que contemplam essa temática.

Muito se tem discutido sobre as potencialidades em torno das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e suas implicações no acesso às informações e na produção do conhecimento. Vivemos numa sociedade em que cada vez mais, parece impossível imaginar a vida sem as TIC’s. A disseminação de computadores, internet, celulares, câmeras digitais, e-mails, mensagens instantâneas, banda larga e uma infinidade de engenhocas da modernidade é fato e, de alguma forma, estão presentes em nossas vidas, seja em nossas casas, no trabalho ou nos espaços de lazer.

A nova geração de crianças e jovens já nasceu em um ambiente muito mais rico em tecnologias digitais do que as gerações passadas. Elas convivem diariamente com as tecnologias digitais, mesmo que em graus de acesso diferenciados, pois não podemos nos esquecer que as desigualdades sociais, bem como as desigualdades provenientes das diversidades de gênero e de raça, por exemplo, refletem no acesso ao uso desses recursos.

O fato é que as tecnologias digitais estão presentes no nosso contexto social. A nossa cultura está impregnada por uma nova linguagem, uma nova forma de comunicação, que é a linguagem da informática, particularmente a da internet. Um número cada vez maior de sujeitos está completamente conectado com o mundo digital. E como não haveria de ser diferente, a tecnologia está presente na Educação e na Escola, tal como nos demais setores da sociedade. Mas, diante de tantos recursos, tantas potencialidades, poderíamos perguntar: tecnologias de informação para que? O que as TCIs podem contribuir para as nossas práticas, nossas relações, nosso conhecimento, enfim, para a nossa vivência?

Vejamos, no relato abaixo, um retrato de como as tecnologias de informação e comunicação estão presentes na nossa vivência.

Seguindo trilhas

Sociabilidade on-line: experiências de jovens em Nova Contagem

por Juliana Batista

Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava.
Mas também a rua não cabe todos os homens.
A rua é menor que o mundo.
O mundo é grande.
Carlos Drummond de Andrade

Acessando a internet
Você chega ao coração
da humanidade inteira
Sem tirar os pés do chão
Zeca Baleiro

Esse relato é fruto da minha pesquisa de mestrado realizada entre 2006 e 2008. Gostaria de compartilhar uma “novidade” que pude perceber nas vivências dos jovens daquele bairro.

Desde a primeira vez que estive em Nova Contagem na intenção de observar a tão comentada feira que acontece ali aos finais de semana, percebi uma grande presença e movimentação de moradores. Estava na elevação da rua de onde nasce a feira e quando olhei de cima para aquele acontecimento era um colorido, um colorido apenas. Combinação das cores das lonas que cobrem as barracas com o realce e luminosidade que se estende entre as pessoas que se movimentam. Podia ver um todo, a feira na rua, uma tela cheia de cor enquadrada pelo contorno das outras duas ruas transversais que a emolduram. No entanto, diante daquele todo era só deslocar meu olhar e via as unidades que o constituíam. Fitava em uma ou outra pessoa e acompanhava seus passos, paradas, ritmos, movimento.

Na convivência com os moradores percebia a centralidade do bairro como espaço nuclear de vivências. Adultos, crianças, jovens e velhos se encontram na feira e uma série de atividades, para além da compra e venda, se dão neste espaço de vivência. Nos dias de semana, e especialmente aos sábados e domingos via muita gente nas ruas, calçadas e praças do bairro, sobretudo crianças e jovens, caminhando e conversando em grupos ou simplesmente sentados nos passeios.
A rua não está em oposição rígida à casa, mas parece inclusive ser casa, local de encontro e acolhimento.“Aqui é o point” definiu um menino, sintetizando aquele ponto de encontro de todos, espaço público que abriga distintos moradores de Nova Contagem. “É onde se vê todo mundo, você encontra todo mundo”. Porém, permanecer e caminhar por essa rua me fez chegar a um lugar que aglutinava essencialmente jovens e crianças.

Em um dia de feira passeava pelas ruas em seu entorno e em uma bem próxima à agitação da feira pude avistar uma movimentação de jovens perto de uma padaria. Ali, no segundo andar funciona uma lan house e a circulação e permanência de meninos e meninas em frente àquele estabelecimento era digna de apreço.

Cheguei aquele espaço pelo clima de encontro, descontração e fruição na porta do local e, menos interessada em observar simplesmente usos da Internet. Para além da porta e da escadaria que nos leva à lan, o ambiente de espera é também marcado por certa agitação e conversas entre os que aguardam um computador e mesmo entre os funcionários. Vê-se um ambiente configurado por múltiplas interações e conversas, “a gente firmou aqui manter um ambiente familiar (...), a gente tenta manter uma disciplina e um ambiente familiar”, é o que nos diz um dos funcionários que descreve bem esse ambiente regrado e ao mesmo tempo marcado por uma intensa sociabilidade. Com a palavra “sociabilidade” quero dizer do encontro, convivência e relações de amizade entre os jovens.

Na sala da lan os computadores estão posicionados em três fileiras, duas delas estão frente a frente com quatro computadores cada, e a terceira de frente para uma parede. Nesta distribuição espacial vêem-se, com freqüência, usuários comunicando entre si, seja com os que estão dos lados ou à frente. Muitos ficam juntos em um só computador ou circulam entre eles.

Há certo padrão na utilização da Internet, que constatei nas observações e entrevistas com jovens e funcionários. A grande maioria de jovens e crianças que ali freqüentam fazem uso mais intenso e habitual do messenger e Orkut, “Você pode notar, 90% das pessoas que vem aqui eles... primeira coisa que eles vão fazer, ver o Orkut deles, ler os recados, os scraps que estão lá, mandar e enviar recado, depois é entrar no messenger, quem tá on- line vai conversar com quem tá on- line, se tiver e-mail eles vão responder o e-mail”, relata um funcionário. Os diálogos travados pela Internet, especialmente pelo MSN, são uma das ações mais costumeiras entre aqueles meninos e meninas, foi raro nas observações não ver alguém se comunicando pelas caixas de diálogo desse programa. “Todo mundo que vem na lan house tem MSN, se não tem vai querer logo fazer um, conversar é o que mais fazem aqui”.

Percebi a lan house como espaço muito oportuno para os encontros juvenis. Embora haja uma fluidez, dinamicidade e rotatividade dos usuários e dos usos que fazem da Internet naquele local, a lan é um lugar significativo da construção de uma malha de relações e vínculos juvenis. Merece consideração o envolvimento on-line entre sujeitos que vivem em uma mesma localidade, dado que sugere uma estreita combinação entre as relações on-line e as interações face a face, “(...) no meu orkut mesmo tem muita gente só de Nova Contagem, Vila Esperança, daqui. Final de semana fica todo mundo on line pra conversar.” A Internet favorece e auxilia o os laços de sociabilidade entre muitos jovens, ela é mais uma via que propicia e antes ainda, facilita o encontro, ou a “liberdade de se prender”.

Observar e acompanhar um pouco da dinâmica desse bairro foi essencial para que eu percebesse sua multiplicidade. Estar em Nova Contagem me permitiu escapar de idéiasmarcadas pela visão da violência, criminalidade, desordem ou miséria dessa região. Por isso, precisamos olhar para os jovens e as crianças, suas relações de amizade, seus jogos e brincadeiras com um olhar mais atento. Precisamos perceber que eles têm muito a nos ensinar sobre suas convivências e regras. Quando nos aproximamos deles, certamente veremos novidades. A minha surpresa de perceber a Internet e a tecnologia na rotina dos jovens em Nova Contagem, revela o quanto precisamos estar próximos dos meninos e meninas nos diversos espaços em que circulam. Um fato inesperado, como foi minha chegada na lan house, pode manifestar a possibilidade de diálogos e trocas que muito contribuem no trabalho com esses sujeitos.

Por meio do relato, podemos observar que as TCIs estão presentes no cotidiano de jovens e de crianças, tornando-se um recurso muito próximo de suas realidades. Geralmente, quando nos debruçamos sobre as potencialidades em torno das tecnologias de informação, nos limitamos a pensar na forma como elas são utilizadas, se são recursos que ampliam e/ou possibilitam a produção de conhecimento, se o seu uso é acessível a todos, dentre outras questões. Não obstante, dificilmente conseguimos contemplá-las como um instrumento que permite aos seus usuários a criação de uma rede de relacionamento e a vivência de múltiplas possibilidades de interação, mediação e expressão de sentidos, sem limites de distância, tempo e espaço.

As tecnologias de comunicação favorecem a construção de redes sociais, possibilita encontros, aumenta nosso contato com o mundo e com outras pessoas. Deixa o longe, perto, o antigo, novo e os mais diversos conhecimentos ao alcance de todos.

Essa compreensão implica reconhecer que “precisamos estar próximos dos meninos e meninas nos diversos espaços em que circulam”. É preciso conhecer as experiências e as vivências dos sujeitos com os quais trabalhamospara que as nossos processos educativos contemplem as suas expectativas, os seus desejos e as suas necessidades. Para tanto, é preciso ampliar os nossos olhares para que de fato o diálogo aconteça.

De que forma então, nós, educadores, podemos utilizar as TCIs? Como devemos utilizá-las? O que podemos considerar é que devemos estar atento às novas tecnologias, utilizando tais ferramentas como instrumentos dialógicos de interação e de produção de conhecimento a favor das nossas práticas educativas. O uso destas tecnologias permite dar um grande salto na compreensão de educação. Da soma entre tecnologia e saberes, nasce oportunidades e práticas de aprendizagem.

Mas, é preciso compreender que o acesso às diversas tecnologias não pode se restringir apenas ao contato. É preciso ir muito mais além, isto é, ter acesso também ao conhecimento e à informação. Pois, ao contrário, corremos o riso de reproduzirmos as desigualdades sociais no que se refere ao desenvolvimento e ao uso das TICs.

Ultrapassando fronteiras

Para ampliar as discussões sobre novas tecnologias, educação e educação integral, sugerimos a leitura dos seguintes textos:

  1. Salto para o Futuro – “Redes de aprendizagem, tecnologia e qualidade da educação”

    Ano XXII. Edição Especial. junho 2012. Secretaria de Educação a Distância. Ministério da Educação. Disponível aqui
    Faça o download
  2. Salto para o Futuro – “Tecnologias e Currículo: a serviço de quem? ”

    Ano XXI. Boletim 18. novembro 2011. Secretaria de Educação a Distância. Ministério da Educação. Disponível aqui
    Faça o download

Explorando territórios

Com base no texto do guia de viagem e nos textos sugeridos como leitura, como podemos utilizar os recursos tecnológicos como instrumentos dialógicos de interação e de produção de conhecimento nas nossas práticas em educação integral?

CURSO DE APERFEIÇOAMENTO / ATUALIZAÇÃO: “EDUCAÇÃO INTEGRAL: ESCOLA E CIDADE”
MÓDULO 4 – Educação Integral e Integrada: reflexões e apontamentos
UNIDADE 2 - Novos saberes

Autores:

André Deodato (Mestrando em Educação – FAE/UFMG)
Brenda Rios (Especialista em Lazer - FAE/UFMG)
Camila do Carmo Said (Mestre em Educação – FAE/UFMG)
Levindo Diniz Carvalho (Doutorando em Educação – (FAE/UFMG)
Lúcia Helena Alvarez Leite (FAE/UFMG)

Referências bibliográficas:

    BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares nacionais: pluralidade cultural, orientação sexual. Brasília: MEC/SEF, 1997.

    MEYER, Dagmar Estermann. Gênero, Sexualidade e Currículo. In: Salto Para o Futuro - Educação para a Igualdade de Gênero. Ano XVIII, Boletim 26, novembro, 2008, p.20-28.

    FELIPE, J. Educação para a Igualdade de Gênero. In: Salto Para o Futuro - Educação para a Igualdade de Gênero. Ano XVIII, Boletim 26, novembro, 2008, p. 03-14.

    GOMES, N. L. Educação de Jovens e Adultos e questão racial: algumas reflexões iniciais. In: GIOVANETTI, Maria Amélia Gomes de Castro; GOMES, Nilma Lino; SOARES, Leôncio José. Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte; Autêntica, 2005. p. 87 – 104.

    GOMES, N. L. Educação, identidade negra e formação de professores/as: um olhar sobre o corpo negro e o cabelo crespo. In: Educação e Pesquisa. São Paulo, v.29, n.1, p.167-182, jan/jun, 2003.

    GOMES, N. L. Jovens Negros. Apresentação Seminário Juventude e Questão Racial. Formação Inicial dos Professores do Projovem Urbano de Belo Horizonte. UFMG: Faculdade de Educação, maio de 2009.

    GIDDENS, A. Gênero e Sexualidade. In: Sociologia. Tradução de Sandra Regina. Porto Alegre: Artmed, 2005, p. 102-128.

    MEYER, D E. Gênero, Sexualidade e Currículo. In: Salto Para o Futuro - Educação para a Igualdade de Gênero. Ano XVIII, Boletim 26, novembro, 2008, p. 20-28.

    SECRETARIA de Estado de Educação de Minas Gerais. Sistema de Ação Pedagógica – Dicionário do Professor: Tempos e Espaços Escolares. Diversidade. P. 07-11.

    Telles, Edward. Racismo à brasileira. uma nova perspectiva sociológica. Rio de. Janeiro: Relume-Dumará: Fundação Ford, 2003.