Comunicação, novas tecnologias e o conhecimento
Muito se tem discutido sobre as potencialidades em torno das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) e suas implicações no acesso às informações e na produção do conhecimento. Vivemos numa sociedade em que cada vez mais, parece impossível imaginar a vida sem as TIC’s. A disseminação de computadores, internet, celulares, câmeras digitais, e-mails, mensagens instantâneas, banda larga e uma infinidade de engenhocas da modernidade é fato e, de alguma forma, estão presentes em nossas vidas, seja em nossas casas, no trabalho ou nos espaços de lazer.
A nova geração de crianças e jovens já nasceu em um ambiente muito mais rico em tecnologias digitais do que as gerações passadas. Elas convivem diariamente com as tecnologias digitais, mesmo que em graus de acesso diferenciados, pois não podemos nos esquecer que as desigualdades sociais, bem como as desigualdades provenientes das diversidades de gênero e de raça, por exemplo, refletem no acesso ao uso desses recursos.
O fato é que as tecnologias digitais estão presentes no nosso contexto social. A nossa cultura está impregnada por uma nova linguagem, uma nova forma de comunicação, que é a linguagem da informática, particularmente a da internet. Um número cada vez maior de sujeitos está completamente conectado com o mundo digital. E como não haveria de ser diferente, a tecnologia está presente na Educação e na Escola, tal como nos demais setores da sociedade. Mas, diante de tantos recursos, tantas potencialidades, poderíamos perguntar: tecnologias de informação para que? O que as TCIs podem contribuir para as nossas práticas, nossas relações, nosso conhecimento, enfim, para a nossa vivência?
Vejamos, no relato abaixo, um retrato de como as tecnologias de informação e comunicação estão presentes na nossa vivência.
Seguindo trilhas Sociabilidade on-line: experiências de jovens em Nova Contagem Juliana Batista Os homens estão cá fora, estão na rua.
A rua é enorme. Maior, muito maior do que eu esperava. Mas também a rua não cabe todos os homens. A rua é menor que o mundo. O mundo é grande. (Carlos Drummond de Andrade) Acessando a internet
Você chega ao coração da humanidade inteira Sem tirar os pés do chão (Zeca Baleiro) Esse relato é fruto da minha pesquisa de mestrado realizada entre 2006 e 2008. Gostaria de compartilhar uma “novidade” que pude perceber nas vivências dos jovens daquele bairro. Desde a primeira vez que estive em Nova Contagem na intenção de observar a tão comentada feira que acontece ali aos finais de semana, percebi uma grande presença e movimentação de moradores. Estava na elevação da rua de onde nasce a feira e quando olhei de cima para aquele acontecimento era um colorido, um colorido apenas. Combinação das cores das lonas que cobrem as barracas com o realce e luminosidade que se estende entre as pessoas que se movimentam. Podia ver um todo, a feira na rua, uma tela cheia de cor enquadrada pelo contorno das outras duas ruas transversais que a emolduram. No entanto, diante daquele todo era só deslocar meu olhar e via as unidades que o constituíam. Fitava em uma ou outra pessoa e acompanhava seus passos, paradas, ritmos, movimento. Na convivência com os moradores percebia a centralidade do bairro como espaço nuclear de vivências. Adultos, crianças, jovens e velhos se encontram na feira e uma série de atividades, para além da compra e venda, se dão neste espaço de vivência. Nos dias de semana, e especialmente aos sábados e domingos via muita gente nas ruas, calçadas e praças do bairro, sobretudo crianças e jovens, caminhando e conversando em grupos ou simplesmente sentados nos passeios. Em um dia de feira passeava pelas ruas em seu entorno e em uma bem próxima à agitação da feira pude avistar uma movimentação de jovens perto de uma padaria. Ali, no segundo andar funciona uma lan house e a circulação e permanência de meninos e meninas em frente àquele estabelecimento era digna de apreço. Cheguei aquele espaço pelo clima de encontro, descontração e fruição na porta do local e, menos interessada em observar simplesmente usos da Internet. Para além da porta e da escadaria que nos leva à lan, o ambiente de espera é também marcado por certa agitação e conversas entre os que aguardam um computador e mesmo entre os funcionários. Vê-se um ambiente configurado por múltiplas interações e conversas, “a gente firmou aqui manter um ambiente familiar (...), a gente tenta manter uma disciplina e um ambiente familiar”, é o que nos diz um dos funcionários que descreve bem esse ambiente regrado e ao mesmo tempo marcado por uma intensa sociabilidade. Com a palavra “sociabilidade” quero dizer do encontro, convivência e relações de amizade entre os jovens. Na sala da lan os computadores estão posicionados em três fileiras, duas delas estão frente a frente com quatro computadores cada, e a terceira de frente para uma parede. Nesta distribuição espacial vêem-se, com freqüência, usuários comunicando entre si, seja com os que estão dos lados ou à frente. Muitos ficam juntos em um só computador ou circulam entre eles. Há certo padrão na utilização da Internet, que constatei nas observações e entrevistas com jovens e funcionários. A grande maioria de jovens e crianças que ali freqüentam fazem uso mais intenso e habitual do messenger e Orkut, “Você pode notar, 90% das pessoas que vem aqui eles... primeira coisa que eles vão fazer, ver o Orkut deles, ler os recados, os scraps que estão lá, mandar e enviar recado, depois é entrar no messenger, quem tá on- line vai conversar com quem tá on- line, se tiver e-mail eles vão responder o e-mail”, relata um funcionário. Os diálogos travados pela Internet, especialmente pelo MSN, são uma das ações mais costumeiras entre aqueles meninos e meninas, foi raro nas observações não ver alguém se comunicando pelas caixas de diálogo desse programa. “Todo mundo que vem na lan house tem MSN, se não tem vai querer logo fazer um, conversar é o que mais fazem aqui”. Percebi a lan house como espaço muito oportuno para os encontros juvenis. Embora haja uma fluidez, dinamicidade e rotatividade dos usuários e dos usos que fazem da Internet naquele local, a lan é um lugar significativo da construção de uma malha de relações e vínculos juvenis. Merece consideração o envolvimento on-line entre sujeitos que vivem em uma mesma localidade, dado que sugere uma estreita combinação entre as relações on-line e as interações face a face, “(...) no meu orkut mesmo tem muita gente só de Nova Contagem, Vila Esperança, daqui. Final de semana fica todo mundo on line pra conversar.” A Internet favorece e auxilia o os laços de sociabilidade entre muitos jovens, ela é mais uma via que propicia e antes ainda, facilita o encontro, ou a “liberdade de se prender”. Observar e acompanhar um pouco da dinâmica desse bairro foi essencial para que eu percebesse sua multiplicidade. Estar em Nova Contagem me permitiu escapar de idéiasmarcadas pela visão da violência, criminalidade, desordem ou miséria dessa região. Por isso, precisamos olhar para os jovens e as crianças, suas relações de amizade, seus jogos e brincadeiras com um olhar mais atento. Precisamos perceber que eles têm muito a nos ensinar sobre suas convivências e regras. Quando nos aproximamos deles, certamente veremos novidades. A minha surpresa de perceber a Internet e a tecnologia na rotina dos jovens em Nova Contagem, revela o quanto precisamos estar próximos dos meninos e meninas nos diversos espaços em que circulam. Um fato inesperado, como foi minha chegada na lan house, pode manifestar a possibilidade de diálogos e trocas que muito contribuem no trabalho com esses sujeitos. |
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Por meio do relato, podemos observar que as TCIs estão presentes no cotidiano de jovens e de crianças, tornando-se um recurso muito próximo de suas realidades. Geralmente, quando nos debruçamos sobre as potencialidades em torno das tecnologias de informação, nos limitamos a pensar na forma como elas são utilizadas, se são recursos que ampliam e/ou possibilitam a produção de conhecimento, se o seu uso é acessível a todos, dentre outras questões. Não obstante, dificilmente conseguimos contemplá-las como um instrumento que permite aos seus usuários a criação de uma rede de relacionamento e a vivência de múltiplas possibilidades de interação, mediação e expressão de sentidos, sem limites de distância, tempo e espaço.