Com o pé na estrada
Na unidade passada focalizamos as redes sociais em função de processos educativos. E qual é a importância desse debate para a construção de propostas de educação integral? Como a perspectiva de redes sociais pode contribuir com a educação integral?
Muito já se discutiu sobre o distanciamento entre a escola e a cultura e o modo de vida de quem nela estuda. Por esse ângulo podemos considerar que o debate da Educação Integral ganha sentido nas possibilidades de reinvenção da prática educativa escolar de modo a proporcionar o reencontro da escola com a vida. Como nos lembrou Lúcia Helena NILSON (2009, p. 29):
Trata-se, antes de tudo, de expandir ao máximo a rede de aprendizagem das crianças e adolescentes a partir de seus interesses e das potencialidades do lugar onde vivem. A partir desse compromisso é preciso buscar em cada cidade, em cada território, o máximo de integralidade possível.
O enraizamento da educação no movimento do território é um elemento significativo nas propostas de educação integral que estão em construção no país nos últimos anos. As experiências em curso se diferenciam de acordo com as singularidades do território, com a situação sócio-econômica e educacional da população. Diferenciam-se também em função das políticas educacionais anteriores e das opções que fundamentam as propostas. Por exemplo, num município que constituiu sistema municipal, onde o número de escolas é suficiente para atender a todos os estudantes e que têm as condições de infraestrutura das escolas equacionadas, os desafios enfrentados pela proposta de ampliação do tempo são menores que em municípios onde essa situação é inversa.
Se as experiências são diversas e condicionadas por uma série de fatores externos a elas, o que qualifica o êxito de uma experiência? Em nossa reflexão consideramos exitosas as experiências que apresentaram o enraizamento no território, e, por conseguinte operaram um reencontro com a vida do lugar. Isso não significa que todos os aspectos da experiência considerada como objeto dessa reflexão tenham alcançado êxito. Em todas as experiências há desafios a serem superados. Não significa também a inexistência de elementos fortes no que se refere à inserção da proposta na vida do território em outras experiências que aqui não foram consideradas. Escolhemos para a reflexão aquelas que nos permitiram problematizar a relação entre a escola e seu entorno a partir de um diálogo com instituições não escolares. Focalizaremos três experiências, três trilhas para seguirmos interrogando como ultrapassar os muros da escola na construção de uma proposta de educação integral.
As três experiências aqui apresentadas fizeram parte da etapa qualitativa da pesquisa nacional: "Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira", desenvolvida por um grupo de Universidades públicas federais (UFMG, UNB, UFPR, UNIRIO, UFRJ), a partir de solicitação da SECAD/MEC, por meio de sua Diretoria de Educação Integral, Direitos Humanos e Cidadania - DEIDHUC.
Você pode fazer o download do relatório completo aqui.
A trilha de Castelo do Piauí (PI)
O município Castelo do Piauí está localizado na região centro-norte do estado do Piauí, a 184 km de Teresina, próximo à cidade de Campo Maior. O município tem uma área de 2.064 km² e conta com 18.550 habitantes (IBGE em 2000). As atividades econômicas predominantes na cidade são: agricultura, pecuária e extrativismo mineral. O IDH – Índice de Desenvolvimento Humano é de 0,656, segundo o Atlas de Desenvolvimento/PNUD (2000).
No município, são classificadas e ofertadas as seguintes modalidades de ensino: Educação Infantil, Ensino Fundamental Menor (1ª a 4ª série) e o Ensino Fundamental Maior (5ª a 8ª série). Castelo do Piauí conta com um total de 54 escolas municipais com aproximadamente 3.083 alunos matriculados e 4 instituições de Ensino Estadual que atendem aproximadamente a 1.163 alunos no Ensino Fundamental e 873 no Ensino Médio. Abaixo podemos conferir a distribuição das matrículas nas escolas municipais em 2009:
Número de escolas municipais e alunos atendidos:
Unidades Municipais | Número de escolas | Número de alunos |
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Pré-escola | 21 | 753 |
Unidades Escolares de 1ª a 8ª série – Urbanas | 5 | 2762 |
Unidades Escolares de 1ª a 8ª série - Rurais | 49 | 1677 |
Total | 75 | 5192 |
A perspectiva do trabalho integrado entre as políticas está muito presente nas concepção adotada pela Secretaria Municipal de Educação e Cultura – SEMEC – de Castelo do Piauí. A SEMEC desenvolve seu plano de trabalho em articulação com outros órgãos como Conselho Tutelar, Conselho de Direitores, Secretaria de Assistência social e Saúde contribuem grandemente para o desenvolvimento das ações propostas pela SEMEC. Os programas do município em prol da garantia de direitos à criança e ao adolescente permitiram que Castelo do Piauí fosse contemplado com o SeloUNICEF Município Aprovado 2006 e 2007, além de conquistarem também o titulo de Prefeito Amigo da Criança, parceria do UNICEF com a Fundação Abrinq (www.fundabrinq.org.br).
Dentre os projetos desenvolvidos pela SEMEC de Castelo do Piauí destacamos o Juventude e Cidadania. As atividades deste projeto tiveram início em 2005, a partir da realidade preocupante que marcava a condições de vida e a tentativa de assegurar a garantia de direitos de crianças e adolescentes do município, sobretudo vulneráveis à exploração pelo trabalho.
O projeto foi implantado devido à falta de perspectiva das crianças e jovens e a exposição dos mesmos a situação de risco (...), ausência de locais para atividades de lazer e lúdicas, abandono e evasão e repetência escolar e principalmente de orientações sobre temas do cotidiano como drogas, violência abuso e exploração sexual. Relatório da pesquisa SMED 2008
Assim como muitas cidades do país, Castelo do Piauí tem enfrentado problemas como violência, prostituição, trabalho infantil e uso de drogas. Essas problemática vitima crianças, adolescentes e jovens, que são 41% da população do município.
Em 2005, ainda sem uma denominação específica, a experiência teve inicio no bairro Mutirão, região que apresentava indicadores sociais e educacionais preocupantes. Essa situação levou a equipe da SEMEC e da Secretaria de Assistência Social a diagnosticar os casos de trabalho infanto-juvenil, os casos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade social e dificuldades escolares. Após o diagnóstico a proposta-piloto desenvolvida no bairro Mutirão foi delineada com a intenção de interferir na situação de privação de direitos da qual crianças e adolescentes do município eram vítimas. Na concepção da proposta figurava a necessidade de investir em outras dimensões formativas desse público e de ampliar o papel da escola e seu olhar para as crianças e adolescentes, buscando causar impactos, inclusive nos resultados educacionais. Segundo depoimento de um dos coordenadores do programa.
Naquele momento inicial a experiência era denominada SIGA – segurança, igualdade e garantia de aprendizagem. O projeto não se estruturava nessa fase com uma carga horária previamente definida. Realizam-se oficinas de beleza e de artesanato, sem, no entanto atender a uma regularidade. O tempo de duração era definido pelas condições materiais e pela estrutura da própria oficina.
A partir da experiência piloto avançou-se para a configuração do Juventude e Cidadania, com o desenvolvimento de ações para crianças, adolescentes e jovens de baixa renda, em situação de risco. A cultura colocou-se como referência para o trabalho educativo. As oficinas de dança, teatro e capoeira, além de promover o desenvolvimento pessoal e social de crianças, adolescentes e jovens, através de atividades lúdicas e de recreação visavam à formação para atuação na área da cultura. Desse modo pretendia-se contornar o problema do trabalho infantil propiciando a formação de adolescentes e jovens para um ingresso qualificado no mundo do trabalho.
O projeto Juventude e Cidadania é organizado em torno das seguintes ações prioritárias: realização de cursos profissionalizantes; realização de palestras e seminários; jornada ampliada com atividades lúdicas e reforço escolar.
O desenvolvimento de oficinas culturais é uma ação muito constante nas propostas de ampliação de jornada. No Projeto Juventude e Cidadania ocorrem oficinas de capoeira, de teatro e de dança, que é oferecida nas modalidades balé clássico, balé folclórico, hip-hop.
A participação em oficinas tem sido considerada elemento significativo na formação de jovens e adolescentes: colaboram para a socialização; incidem positivamente na autoimagem dos estudante. Há ainda uma expressão comum entre familiares, gestores, professores e até estudantes: a oficina é importante porque, sem ela o estudante estaria na rua.
Em Castelo do Piauí há a oficina de balé folclórico que trabalha com danças que fazem parte do patrimônio da cultura popular valorizando a identidade cultural do estado. Nesse movimento, revitalizam-se práticas, como os cortejos que desfilam pelas ruas e as apresentações realizadas em espaços públicos.
Em 2006, o projeto Juventude e Cidadania promoveu seis eventos culturais, dentre eles o “I Seminário sobre Políticas Públicas para adolescentes e jovens”. Nos anos de 2007, 2008 e 2009, as crianças e jovens participaram de todas as festividades e eventos culturais que ocorreram na cidade, realizando apresentações na “Via Sacra”, no “Dia das Mães”, nas “Festas Juninas”, no “Aniversário da cidade” e no “Natal”.
Além desses, outros eventos contaram com participação das crianças e jovens e o apoio do projeto Juventude e Cidadania tais como: elaboração e execução do “Programa de Rádio Bem te vi”, “Escolha do Prefeito Mirim”, “Seminário sobre Políticas Públicas para crianças e adolescentes em Natal-RS”, “I e II Seminário de Políticas Públicas para adolescentes e jovens”, “Festival de Artes Cênicas”, realizado no Dia das Crianças, além de atividades na área de literatura e educação ambiental.
A participação nos eventos foi também destacada pelas crianças, famílias e professores. O fato de as crianças não mais ficarem apenas na sala de aula foi considerado muito positivo. Com base nos relatos dos entrevistados, pode-se afirmar que a as crianças do projeto são protagonistas nas atividades culturais e sociais mais importantes da cidade. A rua passa a ser ocupada pelas criança, jovens e adolescentes e torna-se espaço de beleza, festa, alegria. A rua é lugar de todos.
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Ultrapassando fronteirasMuitas experiências de ampliação de jornada adotam a capoeira como estratégia formativa. Essa é uma estratégia interessante porque, além do fortalecimento da cultura e da prática corporal, a capoeira é resultado do processo de resistência da população negra ao regime de escravidão no Brasil. Portanto, além da prática, o estudo da capoeira – sua história, sua importância para a população africana escravizada no Brasil, sua importância para a consciência negra, sua difusão na sociedade contemporânea, a dinâmica e a história de grupos tradicionais de capoeira, entre outro temas – pode nos ajudar na educação das relações etnico-raciais no cumprimento da Lei 10639/03. Essa é uma boa chance de estabelecer relações entre as oficinas desenvolvidas nos projetos de ampliação do tempo escolar e o projeto político pedagógico das escolas. Para conhecer as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana clique aqui. Um material interessante para o trabalho na perspectiva das Relações Étnico-Raciais foi o desenvolvido pelo Projeto A Cor da Cultura. Para conhecer o Projeto e acessar alguns de seus materiais, acesse www.acordacultura.org.br |
A trilha de Castelo do Piauí (PI)
O projeto Juventude e Cidadania: a articulação em rede
Como já dissemos, o estabelecimento de ações intersetoriais e parcerias caracteriza a ação da SEMEC de Castelo de Piaui para a ampliação do tempo escolar. O quadro abaixo demonstra a estratégia de gestão compartilhada desenvolvida no âmbito do Projeto:
Ações desenvolvidas pelos parceiros do projeto:
Parceiro | Ações desenvolvidas no âmbito do projeto |
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Secretaria Municipal de Assistência Social |
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Conselho Tutelar e Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente |
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Escolas municipais e estaduais |
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SEBRAE, FUNDAC (Fundação Cultural do Piauí) |
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IBAMA |
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FIEPI, SENAC |
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Secretaria Municipal de Saúde |
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Além da articulação para a sustentabilidade do Projeto, as ações realizadas desencadeiam outras propostas no sentido da proteção da infância e adolescência. É o caso do Plano de Intervenção desenvolvido no contexto da SEMEC no âmbito do Projeto Juventude e Cidadania. Nesse Plano de Intervenção são monitoradas 105 famílias que enfrentam problemas sociais sérios, como violência e recorrência ao uso de drogas. Agregam-se as Secretaria de Saúde, Assistência Social, a Promotoria da Infância e Adolescência. Ocorrem reuniões com as famílias, aconselhamento e apoio na condução das crianças para o atendimento em saúde, psicólogo e outros.
O projeto Juventude e Cidadania destaca-se tanto pela pertinência das ações quanto pela adequação e repercussão das atividades propostas na transformação da educação no município. A análise do projeto realizada pela Pesquisa revela:
- a oportunidade de crianças e jovens serem protagonistas em atividades culturais e eventos na cidade e valorização da cultura como elemento integrador e a vivência e expressão da cultura da por meio da linguagem da arte.
- um efetivo trabalho em rede na constituição de parcerias na proteção a crianças e adolescentes.
- um trabalho pautado em uma concepção de arte educação que aposta na expressão da criança e dos jovens como sujeito de direitos.
- um investimento de tempo em dimensões formativas às quais as escolas do município ainda não se dedicavam, e o trabalho com metodologias diferenciadas que chamam a
- atenção e envolvem as crianças. Na figura abaixo observa-se o desenho/texto produzido por uma criança atendida pelo projeto que revela essa questão:
Desenho produzido por uma criança atendida pelo projeto no trabalho de campo da pesquisa.
Seguindo a Trilha de Santarém (PA)
Santarém é um município que se caracteriza pela diversidade de sua população, com uma forte presença de população ribeirinha, além de comunidades quilombolas e indígenas. Essa característica nos permite a aproximação de uma experiência na qual a diversidade sóciocultural ganha visibilidade e interpela a construção de políticas públicas no município.
Santarém é conhecida como a Pérola do Tapajós. Em frente à cidade acontece o encontro das águas barrentas do rio Amazonas com as águas verdes do rio Tapajós. Dista 1.369 km da capital do Estado e ocupa uma área de 22.887,08 km², com uma população de 276.665.O Município tem oito distritos com 477comunidades rurais distribuídas ao longo desses distritos, das quais 270 localizam-se nas regiões dos rios e várzeas, e 207 estão na zona do planalto. A área urbana possui 48 bairros. Em 2008, o IBGE/IIDESP/SEPOF estimaram a população de Santarém em 275.571 habitantes.
A responsabilidade pela coordenação da política educacional do município de Santarém é da SEMED, que tem como missão “implementar” e desenvolver uma educação de qualidade na rede pública municipal de Santarém, através de um processo democrático, participativo, visando a formação integral do educando para efetivo exercício da cidadania e construção de uma sociedade comprometida com a promoção humana” (site da prefeitura de Santarém: www.santarem.pa.gov.br, consultado em 01/04/2010). A educação integral constitui-se eixo central da política educacional do município. Em depoimento à pesquisa Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira a secretária municipal de educação reforçou:
Eu penso que educação tem que estar olhando por todos os ângulos, integral mesmo; poder olhar a criança em todas as dimensões. Isso que é o grande desafio, também; foi uma oportunidade para as crianças, mas também para os professores poderem repensar o seu olhar.
Para atender às escolas a SEMED se organiza através de Assessorias e Coordenações, divisões e Seções. São três Assessorias, sendo que duas delas atendem às especificidades regionais do município. São elas:
- Assessoria de Rios, que tem a responsabilidade do planejamento e do acompanhamento das atividades administrativas e pedagógicas desenvolvidas nas escolas das regiões de rios: Arapixuna, Várzea, Lago Grande, Arapiuns e Tapajós.
- Assessoria do Planalto, com a responsabilidade do planejamento e acompanhamento das atividades nas escolas da região do Planalto.
Além dessas duas Assessorias, há também a Assessoria de Esporte e Lazer, com a função de coordenar os programas e projetos na área de esporte e lazer no município, incluindo a Educação Física nas escolas da Rede.
É interessante perceber aqui que o organograma da Secretaria de Educação busca contemplar a diversidade de realidades rompendo com uma organização centrada apenas nos níveis de ensino, como comumente acontece nas secretarias de educação. O Rio e o Planalto podem ser compreendidos como territórios educativos que trazem especificidades próprias e que passam a ser consideradas ao se construir uma política pública de educação em Santarém, o que significa dizer que uma proposta para a educação infantil ou o Ensino Fundamental, por exemplo, tem que partir da realidade dos sujeitos que, no caso de Santarém, são bem distintas. Isso fica mais evidente se considerarmos que, dentro do organograma da secretaria, há também duas coordenadorias: a Coordenadoria de Educação Indígena, a coordenadoria de Educação Quilombola e diversidade étnico-racial.
Em relação à proposta pedagógica, a Secretaria Municipal de Educação implantou o Programa Escola da Gente, que foi concebido com o objetivo de desenvolver a formação integral dos estudantes, articulando a aprendizagem escolar com a formação social, ética, estética e corporal. Esse programa se desdobra em uma série de projetos tendo como referência a participação dos sujeitos e a valorização da cultura local e a preservação do meio ambiente. Alguns dos projetos estão mais voltados para o meio ambiente: Agenda 21 e Escola da Floresta; outros mantém ênfase na arte, na cultura e na literatura: Arte na escola da gente e Casinha de Leitura; e outros permanecem mais, ligados ao esporte e lazer: Estrelinhas entre linhas. Para a nossa reflexão selecionamos os projetos: arte na escola e o escola da floresta.
Seguindo a Trilha de Santarém (PA)
Arte na Escola da Gente
O projeto "Arte na Escola da Gente" tem como objetivo “tornar a escola um espaço aberto à comunidade visando a promoção da Cultura da Paz na Rede Municipal de Ensino através de linguagens artísticas como a dança, o teatro, a música, as artes plásticas, a poesia, a literatura infantil, dentre outros, entrelaçando família, escola e comunidade” (www.santarem.pa.gov.br acessado em 01/04/2010) .
O projeto nasceu da experiência do projeto “Arte na Escola”, que foi implantado com apoio de um grupo de voluntários na Rede Municipal, em 2005. O projeto acontecia em diversos espaços e aos poucos foi sendo reconhecido pelas famílias e pelos professores. Funcionava nas escolas no contra-turno ou nas comunidades. Quando não havia lugar na escola utilizava-se uma Associação de Moradores, a Igreja, ou o barracão comunitário, sempre em parceria com a comunidade.
Quando o projeto foi assumido pela secretaria foram contratados artistas plásticos e pedagogos. Implantaram-se também as caravanas de arte para a zona rural, com oficinas de mosaico, violão, teclado, artesanato, cerâmica, dança contemporânea, regional, artes plásticas, arte têxtil, canto e coral. A secretária de educação em entrevista para a pesquisa Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira a secretária afirmou que através desse trabalho a equipe da secretaria começou a conhecer muitas famílias, que ficavam impressionadas com o reflexo do trabalho na vida da criança.
A equipe de arte educadores
Para atingir seus objetivos, o "Arte na Escola da Gente" trabalha com atividades artísticas de naturezas diversas. E, para tanto, conta com uma equipe de coordenadores e arte-educadores, que, em 2009, chegou a um total de 30 (trinta) sujeitos, entre os quais 6 (seis) estavam em cargos de coordenação. São eles, em geral, pessoas com grande experiência no campo artístico em que atuam e há entre eles uma característica de identificação e militância em relação aos objetivos do projeto. É o que revelam os depoimentos a seguir:
(...) vejo que temos uma coisa comum a todos nós, fazemos parte de um movimento artístico, mas também que quando a gente começa a trabalhar com arte na escola e nós repassamos aquilo que nós fazemos para eles, a nossa arte, e a gente vê a dedicação das crianças, a mudança dessas crianças na escola de reconhecimento de cada um (...). E a gente percebe que cada arte educador trabalha com orgulho de estar ali, com prazer de estar ali com as suas crianças.
Quando a gente vê o resultado nas apresentações das nossas crianças, o que cada criança passa e a oportunidade que têm essas crianças, a felicidade e carinho entre criança e educador, e o que cada educador e a coordenação que está aí, é uma dedicação muito forte que nós temos. É isso. Arte educadora; depoimento à pesquisa "Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira"
A respeito da seleção desses sujeitos, anualmente, a SEMED recolhe currículos que são avaliados, considerando tanto a trajetória dos candidatos no campo artístico, quanto sua experiência em docência. A partir de então, os selecionados são contratados em um regime de trabalho de vinte horas semanais, que são distribuídas entre três e quatro horas diárias, no primeiro caso, trabalhando aos fins de semana e no segundo não. Os contratos têm duração de um, mas, quase sempre, depois de passado um ano, os mesmos arte-educadores são recontratados novamente contratados.
No que tange à formação desses sujeitos para o trabalho, quando de seu ingresso, é ofertada uma formação e, no decorrer do ano, eles passam a ser acompanhados e avaliados por meio de reuniões periódicas, prática repetida ao final do contrato, já que os resultados serão norteadores do planejamento do ano que se segue.
As caravanas
O projeto "Arte na Escola da Gente" desenvolve suas atividades através de oficinas nas escolas da área urbana e de caravanas nas escolas das regiões de Rios e de Planalto. As Caravanas apresentam uma proposta incomum de organização e que demonstra estreita relação com o território constituindo-se em uma proposta para as comunidades ribeirinhas e rurais de Santarém. Apesar de acontecer de forma esporádica, ela tem uma abrangência maior, atingindo todos os estudantes, sendo também aberta à comunidade.
No caso das caravanas, o tempo de duração é de três dias e em geral são realizadas aos fins de semana. Há também as mini-caravanas, que têm a duração de um dia apenas.
A respeito da dinâmica de funcionamento, todos os arte-educadores são reunidos e deslocados para a região escolhida, onde desenvolvem suas oficinas em uma escola pólo, ou seja, uma instituição escolhida em uma determinada região, mas podendo atender também a alunos de outras localidades.
A pesquisa "Educação integral/educação integrada e(m) tempo integral: concepções e práticas na educação brasileira" traz um relato retirado de caderno de campo, que retrata a experiência:
No sábado, o horário agendando para partida, em frente à SEMED, foi às sete horas da manhã, alguns chegaram pontualmente, outros não, mas todos precisaram aguardar a chegada do ônibus. Assim que estacionado, iniciou-se o carregamento dos materiais tanto aqueles para realização das oficinas quanto alimentos. Chegamos à escola onde haviam muitos alunos de idades variadas, da educação infantil aos últimos anos do Ensino Fundamental, além de pais e comunidade – constituindo-se, portanto uma experiência valiosa tanto para observação, quanto para dialogar com esses sujeitos.
Logo os arte-educadores ocuparam as salas e os alunos, que haviam se inscrito anteriormente nas oficinas, foram direcionados para as atividades. Um primeiro fator a ser destacado nesse sentido é a visível maior adesão dos alunos por algumas atividades em detrimento de outras, como é o caso das oficinas de artes plásticas em relação às de música, mais precisamente canto-coral. Assim, havia duas salas visivelmente cheias realizando a primeira atividade e apenas um pequeno grupo na segunda.
As atividades estenderam-se até o fim da manhã quando os alunos retornaram para suas casas para que pudessem almoçar. Por volta das 14 (quatorze) horas retornaram para retomarem as atividades e ao fim da tarde todos os grupos apresentaram suas produções que corresponderam a: exposição das esculturas em argila e painéis produzidos nas oficinas de artes plásticas, teatro, dança e canto desenvolvidos em suas respectivas oficinas.
O tempo das oficinas era ditado pelo ritmo de cada atividade, não se configurando como uma imposição. Quando os alunos terminavam sua atividade, não eram obrigados a permanecer no espaço determinado e, no intervalo do almoço, cada oficina liberava os alunos no fim dos trabalhos.
Destacaram-se nessa experiência a presença e a participação efetiva da comunidade, marcada por pais e moradores das redondezas dos locais em que se realizavam as oficinas.
O projeto também realiza atividades na cidade, entre elas, as Mostras Culturais promovidas a cada semestre em espaços abertos, em geral, praças, com o objetivo de divulgar os trabalhos desenvolvidos nas oficinas. Além dês tais mostras, há o "Festival de Interpretação Musical", evento anual que seleciona aqueles que se destacam nas oficinas de música. E, por fim, os alunos das oficinas apresentam-se em outros eventos que ocorrem no município. Todas essas atividades fazem com que o Projeto "Arte na Escola da Gente" saia dos muros da escola e ocupe o espaço da cidade.
Seguindo a Trilha de Santarém (PA)
Escola da Floresta
A preocupação com o meio ambiente é um dos eixos norteadores da política municipal de educação de Santarém. Assim, a SEMED criou, em 2008, a Escola da Floresta, com o objetivo de proporcionar mudanças de práticas e valores quanto à preservação e conservação do meio ambiente, através de um espaço de compartilhamento de experiências e ações em educação ambiental (www.santarem.pa.gov.br, acessado em 14/05/2010).
Com uma área de 33 hectares de floresta, a Escola da Floresta está localizada na comunidade de Caranazal, próxima à cidade de Alter do Chão. Trata-se de um projeto que destaca a importância da floresta amazônica, de sua biodiversidade e do imenso potencial daquela região. Sendo assim, procura transformar a floresta em uma enorme sala de aula que, no seu primeiro ano de funcionamento, recebeu mais de 5 000 visitantes.
A proposta da Escola da Floresta está voltada para os alunos de 5ª a 8ª séries, atendendo prioritariamente os alunos da rede municipal, mas recebendo também estudantes da rede estadual e particular.
Para esse atendimento, a Escola da Floresta conta com um micro-ônibus próprio para o transporte dos alunos. Além do atendimento às escolas, o projeto realiza eventos e recebe visitas de outros setores da sociedade, como associações, ONGs e outros grupos organizados.
Equipe e Metodologia de trabalho
A equipe da Escola da Floresta é composta por uma coordenação e por educadores de diversas áreas, contando, inclusive, com educadores populares, como o “Sr. Mucura”, seringueiro e membro do Conselho Nacional dos Seringueiros.
A seleção das escolas participantes é feita através de adesão, já que no início do ano é construído um cronograma de atendimento a partir das demandas recebidas. Definidas as escolas, o atendimento é feito por turmas e a visita à Escola da Floresta dura todo o dia. Assim, as escolas atendidas enviam a cada dia uma turma de cerca de 40 alunos que é dividida em grupos para percorrem trilhas sob a responsabilidade dos educadores do Projeto.
Durante as trilhas, os grupos têm a oportunidade de participar de atividades variadas, como conhecer inúmeras espécies florestais, visitar por dentro uma casa de seringueiro, aprender como se faz farinha de mandioca, caminhar por um viveiro com capacidade produtiva de 80 mil mudas, participar de aulas práticas sobre o processo de reprodução de abelhas sem ferrão.
Depois das trilhas, os grupos se encontram na sede da escola, onde almoçam e conversam sobre a experiência vivida. Nesse espaço, eles discutem sobre meio ambiente, seus problemas e suas formas de preservação e sobre como, no dia a dia, ter atitudes ecológicas.
Apesar das atividades serem desenvolvidas pelos educadores do Projeto, cada turma é acompanhada por um ou dois professores, que participam ativamente do debate e têm a função de continuar o trabalho na volta à escola.
Dentro do espaço da Escola da Floresta foi construído o Memorial Chico Mendes com fotos, livros e artigos sobre a história desse seringueiro e líder ambiental, que é visitado por todas as turmas e, de certa forma, é o símbolo da luta e compromisso da Escola da Floresta por uma cidadania planetária. A Escola da Floresta representa um marco na política municipal de Santarém, no sentido de definir a educação ambiental como um dos grandes pilares da educação.
Pode-se perceber, em Santarém, um Projeto Político de Educação e um compromisso para que esse projeto realmente se efetive na prática. Mais do que apenas melhorar o desempenho escolar, o que já é uma meta importante a ser cumprida, a Secretaria Municipal de Educação organiza e desenvolve suas ações tendo como referência a realidade social, econômica e cultural da Amazônia. Nessa perspectiva, os sujeitos, em seu contexto sociocultural, estão no centro da política municipal de educação.
As propostas pedagógicas têm um enraizamento na cultura regional, possibilitando que as escolas se transformem em um centro de cultura viva para comunidades que, em sua maioria, se encontram bastante isoladas. Neste sentido, as caravanas, estratégia bastante utilizada por todos os Projetos, cumprem essa função de possibilitar às comunidades mais distantes o acesso à arte e à cultura.
Aqui é importante destacar que se não fossem as caravanas seria muito difícil atingir um público tão disperso geograficamente, servindo de exemplo para a construção de políticas adequadas à realidade de cada município, na perspectiva dos arranjos educativos locais.
O espaço da floresta transforma-se em espaço educativo assim como o parque e as praças da cidade. A proposta se caracteriza por ocupar os espaços da cidade, não só como espaços físicos, por falta de lugar nas escolas, mas como espaços sociais, construindo, assim, um sentimento de pertencimento à cidade, entendida como um grande espaço educativo.
É interessante ressaltar que, em Santarém, a ampliação do tempo não é o eixo da experiência. O tempo é estendido para atender às necessidades de uma ampliação das dimensões de formação, aspecto central em todos os Projetos desenvolvidos.
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Ultrapassando fronteiras1 A Escola da Floresta produziu o memorial “Chico Mendes”. Esse foi um ato significativo, pois demonstra a relação entre a defesa ambiental e o direito à terra. Era essa a luta de Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, assassinado na noite do dia 22 de dezembro de 1988, sete dias após ter completado 44 anos. Ao sair para tomar banho em sua humilde casa, Chico foi alvejado com um tiro no peito na presença de sua esposa Ilzamar e de seus filhos Elenira e Sandino. Sua biografia pode ser conferida no site do Instituto Chico Mendes. Visite-o e confira, além da biografia, os projetos e ações e os parceiros do Instituto. 2 O Programa Tempo de Escola, desenvolvido no município de São Bernardo do Campo, SP, também é uma experiência de Educação Integral que se propõem ao diálogo com as especificidades da cidade, bem como ao desenvolvimento de ações na perspectiva da intersetorialidade. Para conhecer mais a respeito dessa experiência, acesse a matéria "Programa Tempo de Escola de São Bernardo do Campo aproveita variados espaços da cidade". |
Nas trilhas de Belo Horizonte
O programa Escola Integrada, da SMED de Belo Horizonte foi apresentado na unidade 4, por meio de texto e vídeo. Por ter se constituído como referência para a construção de propostas em muitos municípios, com o reconhecimento do Mais Educação, consideramos que será oportuno tratar de um aspecto exitoso nesse programa: a construção da rede social em função do processo educativo.
A reflexão sobre uma educação integral centrada nos sujeitos, na Rede Municipal de Educação de Belo Horizonte, ganhou força na década de 1990, com a implantação do Programa Escola Plural, o qual trouxe, entre seus desafios, a garantia à universalização do ensino, considerada no acesso e permanência dos estudantes.
De acordo com a Secretaria Municipal de Educação, a experiência foi avaliada quando dos seus 10 anos de implantação e, nesse processo, surgiram novas demandas. Entre elas, a ampliação do tempo de escolarização do Ensino Fundamental.
O PEI foi formulado a partir de necessidades e de experiências da rede municipal de ensino e também de outras instâncias, como a Secretaria Municipal de Assistência Social, tendo como referência e inspiração o projeto da Rede do 3º. Ciclo, da SMED. Esse projeto nasceu da demanda de escolas com um número elevado de estudantes com idade entre 12 a 15 anos, que não estavam alfabetizados. A proposta ampliava o tempo desses alunos com professores alfabetizadores e também com Agentes Culturais, que atuavam no desenvolvimento de oficinas juntos aos estudantes e professores.
Outra experiência inspiradora foi um programa da Secretaria Municipal de Assistência Social, o Assistência Infanto-juvenil que atendia 13 mil crianças da cidade em tempo integral, sendo um turno na escola e outro num atendimento em parceria com ONGs da cidade. Além da análise do que estava ocorrendo em Belo Horizonte, a equipe da Secretaria procurou estudar experiências já existentes no Brasil , visando conhecer experiências de outros municípios. Com base em muitas experiências foi criado o programa Escola Integrada, que teve início em 2006, em 40 escolas.
A partir do projeto piloto, o Programa Escola Integrada foi delineado na perspectiva de se construir uma escola que dialogasse com a cidade e de uma cidade que se tornasse educadora. A proposta tenta ultrapassar um modelo escolar transformando os espaços da comunidade em espaços de formação. Como observamos em outras propostas, também essa busca ampliar as dimensões da formação dos sujeitos para além da dimensão cognitiva, valorizando os aspectos éticos, estéticos, corporais e emocionais e considerando saberes construídos a partir da experiência, principalmente com a presença de novos perfis profissionais, como no caso dos agentes culturais. A entrada das escolas no Programa é por adesão, o mesmo acontecendo com os alunos. Em assembléia, cada escola apresenta o Programa à comunidade escolar que pode optar ou não pela adesão.
Apesar da necessidade de adequação à realidade de cada escola, o Programa Escola Integrada tem uma estrutura comum de funcionamento.
A Matriz Curricular
Com a participação das diferentes esferas governamentais, das escolas, de instituições de ensino superior e ONGs, o programa visa garantir nove horas diárias de atendimento educativo para os estudantes, por meio de atividades de acompanhamento pedagógico, cultura, esportes, lazer e formação cidadã.
Em 2009 foram estabelecidas um conjunto de orientações gerais para o funcionamento da Escola Integrada. Entre essas orientações a matriz curricular do Programa Escola Integrada foi definida da seguinte forma: contemplar 45 horas semanais e nove horas diárias de atendimento aos estudante, com a composição abaixo:
- 4 h e 20 min. com atividades ministradas por docentes da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte;
- 3 h com atividades de diferentes áreas do conhecimento (oficinas e cursos), realizadas por monitores de instituições de ensino superior e agentes culturais;
- 1 h e 40 min. destinadas à alimentação, mobilidade e atividades de relaxamento.
As oficinas e cursos foram organizados conforme a seguinte disposição:
- Acompanhamento pedagógico/Conhecimentos específicos
- Meio Ambiente
- Esporte e Lazer
- Direitos Humanos e Cidadania
- Cultura e Artes
- Inclusão Digital
- Saúde, Alimentação e Prevenção
As 15 horas semanais de atividades devem ser assim distribuídas:
- 9 h destinadas à ações de acompanhamento pedagógico e conhecimentos específicos;
- 6 h destinadas aos outros temas.
Com base nessa estrutura, cada escola organiza sua proposta. Ao aderir ao Programa, cada escola constitui um grupo de educadores, o qual, apesar de ter como coordenador um professor da Rede Municipal, é composto por novos perfis profissionais, muitas vezes com saberes oriundos de espaços outros que não o espaço acadêmico. Nesse sentido, o processo de formação desses sujeitos parece ser fundamental para a coesão e para a sintonia do trabalho.
O Programa Escola Integrada tem como proposta o uso dos espaços da cidade, especialmente os espaços do bairro. Buscando apoiar a utilização desses espaços, a Secretaria cria formas de garantir a manutenção dos mesmos. A relação do Programa Escola Integrada com o território é muito forte, o que não significa que não enfrente desafios.
Nas trilhas de Belo Horizonte
A experiência da Escola Municipal Paulo Freire
Para uma reflexão sobre as dificuldades contornadas pelas escolas que aderem ao Programa escola Integrada escolhemos o relato da experiência da Escola Municipal Paulo Freire (EMPF).
A EMPF localiza-se no bairro Ribeiro de Abreu, região Nordeste de Belo Horizonte e aderiu ao projeto piloto do Programa Escola Integrada em 2006. A escola é nova, sua construção se deu no ano de 2000, através do orçamento participativo. Em 2009 contava com o seguinte quadro de estudantes:
Nível | Número de alunos |
---|---|
1º ciclo | 169 |
2º ciclo | 260 |
3º ciclo | 253 |
EJA | 169 |
UMEI vinculada à Escola | 210 |
EJA BH vinculada à Escola | 191 |
Total | 1252 |
Em seu quadro de funcionários, a escola conta com:
- 01 diretora e 01 vice-diretora
- 48 professores
- 20 monitores da Integrada
- 5 funcionários administrativos
- 20 funcionários na cantina e faxina
- 4 porteiros e vigias
Mesmo antes da Escola Integrada, a EMPF já tinha um projeto de ampliação da jornada para alguns de seus estudantes, como relatou a diretora da escola, Edmeia Costa:
"Esta nossa escola tem uma característica que a difere das outras. Antes de ter o programa de escola integrada da prefeitura, a gente já tinha aqui dois turnos de “Tempo legal”, porque temos muitos meninos que vivem nas ruas mesmo. Isso incomodava muito à escola - acabar a aula e ver o menino na rua o dia inteiro. Aí, na época, a diretora conseguiu que a gente ficasse com esses meninos – eram menores e com problemas de vulnerabilidade social, de abuso ou espancamento. Era um grupo reduzido e tínhamos duas turmas, uma da manhã e outra da tarde que ficavam no contraturno. Quando veio a proposta do programa de escola integrada, a Secretária chamou nossa escola para conversar e para a gente foi tudo de bom!"
Dos 682 alunos matriculados no Ensino Fundamental da escola, 538 são atendidos na Escola Integrada e desses, 238 são adolescentes. É a escola com o maior número de adolescentes participando do Programa.
A escola oferece uma grande variedade de oficinas, o que, segundo a professora comunitária, garante a presença de tantos adolescentes no Programa. São oferecidas as seguintes oficinas:
- Dança
- Ginástica Rítmica
- Vôlei
- Futebol
- Taekwondo
- Jogos e Brincadeiras
- Xadrez
- Flauta
- Violão
- Artesanato
- Intervenção nos Muros
- Pic Nic
- Educação Ambiental
- Educação Sexual
- Higiene e Saúde
- ECA / Cidadania
- Inglês
- Espanhol
- Intervenção Pedagógica
- Intercâmbio Cultural
- Jornal
- Artes e Ofícios
- Informática
- Para Casa
Por dia, os alunos participam de duas oficinas de uma hora e meia cada, sendo que as turmas são dividas por idade e por ciclo, tendo no máximo 25 alunos por oficina. A cada semestre, há uma negociação com os estudantes de cada ciclo, para organizar as oficinas dentre as que são oferecidas. Não há uma única lógica para construir essa organização.
Mas para chegar a esse desenho, foi preciso viver um processo muitas vezes bastante tumultuado, como afirma a professora Edmeia:
"Em outubro de 2006, começamos (..): aí era um caos, porque a gente não sabia como é que era, não estava formatado, era uma experiência mesmo, sete escolas só na rede, não tinha espaço externo, os meninos faziam uma zoeira na escola, os professores caíam matando, porque era bagunça demais, que eles não tinham horário de almoço para descansar (...) e eles ficavam uma fera com a gente... Mas fomos e conseguimos um espaço da Igreja Viva, aqui da frente. Eram 100 alunos e chegamos no final do ano, aos trancos e barrancos. Sofremos muito. Tínhamos só agente cultural, não conseguimos bolsistas das universidades! Os meninos que faziam bagunça eram sempre considerados “da Integrada”. Até a gente desenvolver essa cultura que o menino não é da integrada, e sim da escola, que é bom, que todo mundo tem que dar conta, não foi fácil. No ano seguinte a I. (professora comunitária) continuou e conseguimos ampliar para 200, mas ainda muito precário."
Hoje esse período foi superado e a escola consegue desenvolver o programa da Escola Integrada como uma proposta da escola como um todo e não como se existissem duas escolas em um mesmo espaço. Essa integração é percebida, por exemplo, no uso dos espaços. A sala de professores é ocupada tanto pelos professores como pelos agentes culturais, que são vistos como educadores da escola, e não só do programa Escola Integrada. A integração entre professores do turno regular e agentes culturais foi um processo construído pouco a pouco.
A interação também acontece na hora da alimentação. A escola disponibiliza para os alunos café da manhã assim que eles chegam; almoço e um lanche na parte da tarde; e todos os alunos que quiserem podem tomar café e almoçar na escola, mesmo que não participem da Escola Integrada.
A interação com a comunidade, com o bairro é outro aspecto a ser destacado na experiência da EMPF. Como está localizada em um bairro de difícil acesso, de relevo bastante acidentado, com muitas subidas e descidas e com poucos equipamentos públicos, como parques ou praças, o deslocamento foi um desafio a ser superado.
Mas como tudo na escola, a relação com a comunidade também foi um processo construído ao logo do tempo, como nos conta a professora Socorro:
"Mas a comunidade resistiu muito, (dizendo) que (os alunos iriam) quebrar a Igreja, o portão, fazer barulho na rua. Foi um desafio também a inserção na comunidade: “A integrada vai passando, fecha a porta”. A comunidade católica fechou as portas e o dia que fui pedir reunião com o padre e disse que eu, como católica, me sentia envergonhada de uma Igreja que fecha as portas, que Igreja era essa?! Aí no outro dia estava a porta do pátio de cima, do pátio de baixo tudo aberto para nós. O que me chamou mais a atenção é que a mesma comunidade que resistiu começou a mudar o olhar mesmo. Primeiro foi um pic-nic: a gente levava violão, flauta, para naquela porta e toca alguma coisa; do lanche chama o pessoal e oferece. A comunidade reuniu e já tem canteiro de horta, canteiro de jardim: ali onde tem parada, apita e para, sabe que tem que parar; o pessoal mais velho se reuniu, recolheu o lixo e fez alguns banquinhos, para os meninos sentarem. A questão da integrada (...) mudou a cara da escola, da comunidade, do pessoal da igreja também."
Hoje, para a realização das oficinas são utilizados os espaços dentro de própria escola e outros que são alugados, como a Igreja e umas casas distantes da escola. Os alunos têm que ir a pé para esses locais, já que a escola não possui nenhum meio de transporte para levá-los. A própria comunidade organizou espaços de descanso para as crianças e adolescentes, construindo bancos embaixo de uma árvore para ser a primeira parada. Na segunda parada, uma moradora do bairro espera os alunos com copos e uma jarra de suco para refrescar em tempos de calor.
Os pais participam também dos eventos ocorridos dentro e fora da escola. No começo do programa, eles ainda eram resistentes e achavam que não iria dar certo. Para eles, o que interessava era um lugar em que os seus filhos pudessem ficar o dia todo, para que eles fossem trabalhar os meninos não fossem para a rua. Mas, com o passar dos anos, foram percebendo como a escola estava crescendo e fazendo bem para seus filhos, e hoje acreditam que a escola é um local onde as crianças estão em segurança e aprendendo coisas diferentes e de uma forma lúdica que chama a atenção.
Não só o espaço do bairro é ressignificado. O espaço da escola também ganhou outras dimensões e passou a ser um espaço público, de circulação de todos. Os alunos têm total acesso a espaços como a sala da coordenação, onde entram e saem a todo momento.
Isso acaba estabelecendo uma relação de confiança e de cuidado. A horta e o jardim da escola não são cercados. Os alunos se sentem responsáveis por cuidar do espaço escolar, o que acaba refletindo também fora da escola.
Nas trilhas de Belo Horizonte
Concepções em jogo
Alguns aspectos da experiência da Rede Municipal de Belo Horizonte revelam uma concepção de educação integral que procura articular a experiência escolar com a vivência da cidade, buscando viver a cidade como instituição educadora.
Nesse sentido, podemos perceber muitos avanços e também muitos desafios nessa experiência. A Escola Integrada procura interar-se aos espaços culturais da cidade, criando possibilidades que as crianças, os jovens e os adolescentes possam ter acesso aos espaços culturais de Belo Horizonte, sejam os localizados nos próprios bairros, como os Centros Culturais e Pontos de Cultura, como os que são referência cultural, como o Palácio das Artes e o Museu Inhotim. O entendimento de que uma política cultural para a infância e para a juventude é um dos elementos fundantes de uma política de educação integral fez com que a Secretaria Municipal buscasse conhecer qual o consumo cultural dos estudantes, suas famílias, e também dos professores e diretores das escolas.
A concepção de cidade educadora acabou gerando a necessidade de uma rede de atendimento na cidade, a partir de uma política intersetorial. O fato de o programa criar tal necessidade não significa, necessariamente, que a intersetorialidade esteja de fato ocorrendo. Esse ainda é um desafio para ser efetivado, que pode ser observado na dificuldade de se estabelecer uma rede de proteção para a criança.
Assim, a experiência de Belo Horizonte revela, de forma clara, uma determinada perspectiva de educação integral que procura transformar a cidade em território educativo, entendendo que a instituição escolar faz parte de uma rede de proteção social, para garantir a crianças, a jovens e a adolescentes de Belo Horizonte, o direito a uma educação integral, bem como uma nova visão das comunidades acerca das escolas que compõem tais comunidades.
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Ultrapassando fronteirasA experiência de Belo Horizonte teve início num diálogo muito próximo da proposição bairro-escola estruturada, a partir da proposição da Associação Cidade Escola Aprendiz, proposta surgida em 1997, com a construção de um portal virtual de educomunicação. Logo, o projeto cresceu e se transformou num site jornalístico de educação, o Portal do Aprendiz, sediado no provedor UOL (http://aprendiz.uol.com.br). Em 1998, o site deu origem à Cidade Escola Aprendiz, um projeto que foi sediado na Vila Madalena, em São Paulo, em frente a uma praça e a um beco abandonados. Assim, os primeiros projetos buscavam intervir e modificar esse cenário. Os muros receberam mosaicos e os espaços foram ressignificados. Mas apenas modificar a paisagem não era o suficiente. Utilizar o bairro e a comunidade como instrumentos para a melhoria da educação e da comunidade era o ponto fundamental da proposta, que passou a ser desenvolvida com grande investimento em dois municípios: Belo Horizonte (MG) e Nova Iguaçu (RJ). Confira a história e a metodologia do bairro-escola: Navegue na proposta de Nova Iguaçu. É só acessar o site da prefeitura municipal: www.novaiguacu.rj.gov.br. |
Reflexões a partir das experiências
Mais do que estabelecer um modelo de educação em tempo integral, as experiências produzem em sua riqueza de formatos uma desnaturalização do tempo escolar. Afinal, a escola é instituição social historicamente produzida e muito já se discutiu sobre sua função social.
No Brasil, nas últimas décadas, muitas experiências interrogaram a concepção de tempo escolar fragmentado diariamente e parcelado anualmente. Modelos de ciclos de formação expandiram a noção de tempo escolar, aproximando-a dos tempos aprendizagem vivenciados fora da escola e das idades de formação. Essas concepções estão presentes nos formatos variados de extensão de jornada e tendem a demonstrar que todo o tempo de vida pode ser um tempo de aprender. Pedagogizar o tempo não significa estender a escola a todas as horas do dia e nem fixar períodos iguais para todos. Aprender com a organização dos tempos sociais para construir outros modelos de escolarização é uma tendência observada em muitas das experiências analisadas. O desenrijecimento dos tempos é uma mostra de desnaturalização.
Um conjunto de experiências procura interferir nos problemas identificados no entorno da escola, produzindo soluções coletivas, em geral articuladas às discussões sobre o ambiente. Essa dinâmica sinaliza uma característica inovadora em algumas experiências de ampliação de jornada: o território como referência político-pedagógica. São propostas que se caracterizam por ocupar os espaços da cidade, não só como espaços físicos que respondem ao problema da falta de lugar para a realização de atividades dentro da escola, mas como espaços sociais. O sentimento de pertencimento à cidade, entendida como um grande espaço educativo, é a marca dessas experiências e traduz uma concepção de território.
As experiências repercutem também na organização e nas relações existentes no interior da escola. A integração entre as atividades realizadas nos tempos de extensão de jornada e o projeto político-pedagógico constitui um desafio para a organização da escola. As experiências demonstram que essa articulação é tecida cotidianamente e depende da disponibilidade dos profissionais envolvidos para o trabalho coletivo. Depende também da atuação agregadora da gestão da escola, ao organizar tempos de encontro e apoiar propostas conjuntas. Até mesmo a negociação do uso dos espaços escolares pode ser um pretexto para negociações e aproximações na tessitura de propostas de trabalho mais coletivas.
A dinâmica de participação instaurada com a aproximação da comunidade escolar e dos desafios e potencialidades do território também repercutem no ato educativo. Temáticas importantes, como o meio ambiente, a condição da infância e da adolescência, e a identidade sociocultural podem se tornar parte significativa do currículo escolar. A flexibilidade dos tempos e espaços e a inserção de novos atores na dinâmica da escola concorrem para o redimensionamento da prática escolar e a construção coletiva de um currículo integrado.
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Explorando territóriosDepois desse ano de reflexões sobre a ampliação da jornada escola, ou da produção da escola integral, o que você carrega em seu álbum fotográfico? Que concepções iniciais você reconstruiu? O que lhe surpreendeu? Que idéia você faz agora de uma proposta de educação de tempo integral? |
Créditos
CURSO DE APERFEIÇOAMENTO / ATUALIZAÇÃO: “EDUCAÇÃO INTEGRAL: ESCOLA E CIDADE”
MÓDULO 5 – Educação integral como arranjo educativo local
UNIDADE 2 - Experiências Exitosas
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Autores:Geniana Guimarães Faria (Doutoranda em Educação – FAE/UFMG) |