Com o pé na estrada
O que dizem as Leis sobre a Educação no Brasil?
Conforme vimos, a proposição de uma educação integral, e a construção de uma escola de tempo integral, não são ideias recentes no cenário educacional brasileiro, bem como não existe uma definição consensual sobre seus significados. Na literatura existente, diversos aspectos têm sido englobados na perspectiva de uma educação que visa a formação plena do sujeito em uma escola de tempo integral. No entanto, o que dizem as leis sobre a educação no nosso País? Como elas foram se alterando, de forma a incorporar uma concepção de educação Integral?
Nesta parte do texto, propomos uma leitura das normatizações atuais referentes ao assunto, de modo a compreendermos o enquadramento que permeia as proposições legais vindas dos órgãos institucionais. Esperamos, sobretudo, trazer uma melhor compreensão tanto dos conceitos envolvidos na construção de uma escola de qualidade quanto os desafios e possibilidades envolvidas na implantação de uma educação integral em tempo integral. Vejamos a seguir o que diz a nossa Legislação.
A Constituição Federal de 1988
Uma busca inicial nos leva à Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988). A leitura de seu texto remete à garantia dos direitos sociais para toda a população.Mas qual a importância destes direitos? Devemos recordar que, anteriormente à sua promulgação, vivemos um período no Brasil chamado de Ditadura Militar, em que houve um afastamento da sociedade civil da participação política e na gestão pública. Essa falta de espaço para a participação popular nas decisões estava enquadrada pelos Atos Institucionais e pela Lei de Segurança Nacional criadas pelos governos militares, que ficaram no poder de 1964 a 1982. Este mesmo período ficou marcado pela resistência e luta de diversos setores da sociedade que defendiam o retorno das práticas democráticas, e o fim da Ditadura Militar no País.
Todo esse movimento culminou na abertura política a partir de 1980, cujos princípios se assentam na realização de eleições diretas democráticas na qual fossem garantidas as liberdades públicas de expressão, associação e reunião; estas foram debatidas por todos os segmentos sociais e estão presentes na Constituição Federal de 1988. Já em seu Artigo 3º podemos ler os grandes objetivos que carrega: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
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Ultrapassando fronteirasA Constituição Federal de 1988 pode ser encontrada em http://www.planalto.gov.br. |
Continuando a ler seu texto, encontramos, no Artigo 6º, os direitos sociais de toda a população:
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010
Percebemos, nesse excerto, que a educação é incluída como direito social. Além da proposição da universalização e da gratuidade do Ensino Fundamental dos sete aos quatorze anos, e a progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao Ensino Médio, a Constituição Federal fornece-nos uma ideia geral sobre os objetivos principais da educação no país. Vejamos o que diz o Artigo 205:
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Nesse Artigo há indicativos do que seria uma educação integral: aquela que visa ao pleno desenvolvimento da pessoa, e os processos de ensino e aprendizagem deverão ser definidos em função destes objetivos mais amplos. O que fazer para efetivá-los? É possível pensar em uma escola com tais objetivos, em um país com tantas desigualdades econômicas e sociais como o Brasil?
Esse mesmo artigo sugere-nos a participação da sociedade na promoção, na elaboração e na gestão das políticas educacionais. Assim, nenhuma pessoa pode se omitir na luta pelos seus direitos e no exercício da participação política, em todos os espaços sociais: na família, na escola, nas reuniões de pais, nos fóruns e conselhos da cidade, nos sindicatos e partidos políticos, enfim, nos diversos movimentos coletivos em prol da defesa da educação. Por isso a importância, muitas vezes, de se conhecer as leis que regulamentam a educação no país. A compreensão dos aspectos jurídicos significa a construção de uma formação pela cidadania.
Seguindo a leitura da Constituição, no artigo seguinte encontramos as bases que orientam a educação no Brasil:
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
- liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber.
- pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
- gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
- valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)
- gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
- garantia de padrão de qualidade.
Podemos constatar, no texto, uma articulação entre as várias dimensões que afetam o cotidiano escolar: garantia do acesso e permanência do aluno associada à gratuidade do sistema público de ensino e à participação democrática da comunidade escolar na gestão da educação. Porém, inferimos, do Artigo 206, que não basta ter a presença do aluno na escola, existe uma preocupação com que a educação escolar tenha também um determinado padrão de qualidade. A proposição da criação de um Plano Nacional de Educação aparece em seu Artigo 214, como meta de alcançar um padrão de qualidade para nosso sistema educacional:
Art. 214. A Lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual, visando à articulação ao desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis e à integração das ações do Poder Público que conduzam à:
- erradicação do analfabetismo;
- universalização do atendimento escolar;
- melhoria da qualidade do ensino;
- formação para o trabalho;
- promoção humanística, científica e tecnológica do País.
Fica uma pergunta que no ar: Como garantir uma educação de qualidade para todos, e que cumpram as metas sugeridas?Do ponto de vista legal, uma dica para responder a essa pergunta é continuarmos a leitura da Constituição Federal. Ela nos fornece indicadores da proposição de um novo ordenamento social, ao recomendar novos mecanismos de proteção social para as crianças e adolescentes, em ações conjuntas e articuladas entre Poder Público e sociedade. Vejamos o artigo a seguir:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
- § 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:§ 1º - O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamentais e obedecendo aos seguintes preceitos:
- § 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
- idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
- garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
- garantia de acesso do trabalhador adolescente à escola;
- garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
- obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
- § 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
Pela Constituição é possível perceber que a educação é um direito de todos e que cabe ao poder público criar mecanismos que garantam as condições necessárias para o acesso e para a permanência dos alunos na escola. A ideia central é a criação de um Estado, de uma sociedade e de uma Escola que Protege,isto é, que favoreça o direito a uma vida alegre, saudável e digna às crianças e aos adolescentes do país, os quais, inseridos no sistema público de ensino, devem receber alimentação, transporte, material didático e assistência protetora, possibilitando o seu afastamento das condições de exploração e marginalidade em que vivem. Perguntamos: Como as leis foram mudando em função das necessidades e dificuldades de se colocar em prática essas orientações normativas? Que experiências foram surgindo no país para dar conta de uma educação compreendida como direito social?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Além da Constituição Federal, outro importante organizador social é o Estatuto da Criança e do Adolescente, normatizado em 1990, que em seu texto reitera os princípios constitucionais. Nele podemos ler, em seu Capítulo IV, com respeito ao direito à educação:
Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes:
- igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
- direito de ser respeitado por seus educadores;
- direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;
- direito de organização e participação em entidades estudantis;
- acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.
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Ultrapassando fronteirasO Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) pode ser encontrado no site http://www.planalto.gov.br. |
Qual a importância de um Estatuto da Criança e do Adolescente para o país? Por que é necessário criar leis específicas para proteger nossas crianças? Qual a relação entre o ECA e a educação?Notamos que as legislações expressam as mudanças na sociedade e sugerem novas trilhas a serem seguidas. Em nossas leis, percebemos que a educação é compreendida como direito social, e deve atender a toda população. O desafio passa a ser o de concretizar esses direitos no cotidiano, em níveis municipal, estadual e federal, isto é, transformar os princípios legislativos em ações efetivas. Por um lado, e em consonância com essas leis, encontramos, em todo país, uma ampliação do acesso ao Ensino Fundamental nas duas últimas décadas, bem como um acréscimo significativo no atendimento à Educação Infantil e ao Ensino Médio. Por outro, tendo como base as estatísticas sobre a Educação Básica, do Ministério da Educação, de 1998, Oliveira e Araújo (2005) escrevem que, apesar da ampliação do acesso à escolarização básica observada nas últimas décadas, o direito à educação tem sido solapado pelas desigualdades sociais e regionais, o que, de certa forma, inviabiliza a efetivação de princípios básicos da Constituição Federal: a garantia de permanência na escola e com nível de qualidade equivalente para todos. Ao mencionar os desafios relacionados aos déficits quantitativo e qualitativo que a educação brasileira experimenta, Paulo Freire menciona, em entrevista datada de 1989:
É fundamental, creio, afirmar uma obviedade: os déficits referidos na educação entre nós castigam sobretudo as famílias populares. Entre os oito milhões de crianças sem escola no Brasil não há meninos ou meninas das famílias que comem, vestem, e sonham. E mesmo quando, do ponto de vista da qualidade, a escola brasileira não atenda plenamente às crianças chamadas “bem-nascidas”, são as crianças populares – as que conseguem chegar à escola e nela ficar – as que mais sofrem a desqualidade da educação. 2005, p. 22
De fato, os resultados obtidos nos testes de avaliação externa pelos alunos das instituições públicas de todo o país nos últimos anos sugerem certa persistência do fracasso escolar, e que as metas educativas envolvidas na construção de uma educação de qualidade não têm sido concretizadas pelas escolas.
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Ultrapassando fronteirasDados estatísticos sobre a educação no BrasilNo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), www.inep.gov.br você obtém dados estatísticos sobre o quadro educacional brasileiro: número de matrículas em todos os níveis de ensino, dados sobre evasão e repetência, distorção série/idade, resultados de testes e avaliações escolares, análise dos resultados e textos sobre educação. Além disso, o INEP criou o Sistema de estatísticas educacionais (EDUDATABRASIL), que reúne especificamente dados de matrícula, docentes, infra-estrutura, indicadores de eficiência e rendimento educacional de todos os níveis de ensino. Tais dados estão postados no site dataEscolaBrasil. |
Como efeito desse fracasso, deparamos com críticas constantes relacionadas tanto ao despreparo dos profissionais para lidarem com a diversidade sociocultural do alunado quanto às condições materiais e humanas extremamente precárias de nossas escolas públicas. Segundo Cavaliere (2002), as mudanças nas políticas públicas para a educação que buscam garantir o acesso e a permanência dos alunos na escola revelam a percepção de que existe a necessidade de se redefinir uma nova identidade para a escola fundamental, principalmente ao que se refere à integração efetiva e à sociabilidade de todas as crianças à vida escolar.
Além disso, as transformações sociais das últimas décadas acarretaram mudanças significativas nas dinâmicas vivenciadas no cotidiano: aumento da violência, degradação dos espaços urbanos, desmotivação da juventude com respeito aos processos de escolarização, ampliação das desigualdades sociais no cenário mundial, dentre outros. Todas essas transformações vêm acompanhadas por uma intensificação dos movimentos sociais (MST, Donas de Casa, Movimento Negro, Movimento Indígena, Grupos ambientalistas, Movimento de Mulheres, da Juventude, dos Aposentados, dos Homossexuais, dentre outros) na luta por outros processos de institucionalização, na busca do reencontro com o comunitário e com a solidariedade. Buscam, sobretudo, a garantia efetiva dos direitos civis, econômicos, sociais e culturais. Tais movimentos são portadores de reivindicações específicas, mas que incorporam a defesa, em conjunto com outros segmentos da sociedade, de uma escola pública de qualidade para toda a população, principalmente para aqueles setores tradicionalmente excluídos desse processo.
Diante desse quadro, o ECA se torna importante: aponta que toda criança e todo adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
As políticas públicas para a educação encontram-se no ponto de amarração das Leis em vigor e das demandas e pressões sociais vindas de diferentes segmentos da sociedade. Podemos nos perguntar: O que acontece em cada cidade? Em cada local, esses mesmos âmbitos adquirem tonalidades diferentes, em função das forças sociais que disputam a hegemonia e o poder nesse campo. Acreditamos que é nesse sentido que devemos compreender as políticas públicas: ora um grupo alcança direitos, benefícios ou privilégios; ora outro, criando normas específicas em cada Município ou Estado.
Conforme vimos, as diretrizes legais reconheceram os direitos sociais. Porém, não basta mencionar que a educação é direito de todos, pois, assim, ficamos apenas no campo teórico: enquanto não forem incorporadas no cotidiano dos cidadãos, não serão efetivadas na prática. Por isso a importância da participação de todos por uma escola de qualidade. É a partir dessa visão que procuramos compreender a ampliação dos tempos e espaços na educação: a construção de uma educação integral, que atenda seus alunos em todas as suas potencialidades.
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Diário de bordoA educação e o ECAO Estatuto da Criança e de Adolescente, o ECA, prevê que as medidas socioeducativas a serem cumpridas por adolescentes infratores tenham cunho eminentemente pedagógico. Não se pode negar que o ECA representa uma importante conquista do direito das crianças e dos adolescentes. Entretanto, na sociedade e no âmbito escolar, configura-se uma ideia de que esse Estatuto “permite tudo” e impede que os gestores, docentes e funcionários da escola sejam autorizados a punir os educandos, transformando assim a escola num ambiente em que os problemas causados por esses adolescentes não serão resolvidos e a sanção não acontecerá. De forma semelhante, essa opinião é compartilhada por diversas pessoas, que acusam o Estatuto de não punir crianças e adolescentes. Em sua opinião, o Estatuto da Criança e do Adolescente dificulta ou auxilia no desenvolvimento social das crianças e dos adolescentes? Registre em seu Diário de bordo. |
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9394/1996)
No meio da década de 1990, os indicadores do Censo Escolar mostravam ainda, no Brasil, altos índices de crianças entre 7 e 14 anos de idade fora da escola, apesar do aumento significativo das taxas de matrícula no Ensino Fundamental, sendo que a falta de escolarização atingia 25% das crianças de baixa renda, com renda familiar até 2 salários mínimos. Além disso, os dados do Censo Escolar levantados no ano de 1996 ainda apontavam altas taxas de repetência, de evasão e de distorção série/idade. Era notório que as crianças de famílias pobres eram as mais vulneráveis à evasão escolar, bem como havia ainda, segundo dados de 1996, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que das crianças das famílias de renda até 1 (um) salário mínimo, apenas 60% na faixa entre 10 e 14 anos só estudavam. O restante ou apenas trabalhavam, ou conciliavam educação e trabalho.
Diante desse quadro despontaram, em diversos municípios do País, propostas mais arrojadas para se efetivar o direito à educação: a construção de escolas de tempo integral (CIEPs, CAIC’s), a introdução dos ciclos de formação em substituição ao sistema seriado de ensino, e a criação de um regime de progressão continuada dentro do sistema seriado. Apesar das diferentes concepções teóricas que embasavam cada uma dessas escolhas, todas se ancoravam na necessidade de se construírem mecanismos para se reduzirem as altas taxas de evasão e de repetência no sistema público de ensino. Tais experiências – apresentadas na Unidade anterior – colocavam em prática uma visão de educação integral, voltada para uma formação que contemplasse as diversas dimensões da formação humana. É nesse cenário que será estabelecida pelo Congresso Nacional, após discussão com diversos segmentos da sociedade, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, no ano de 1996.
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Ultrapassando fronteirasA LDBCaso queira conhecer um pouco mais, a LDB 9394/96 pode ser vista na íntegra na página LEI Nº 9.394, DE 20 DE DEZEMBRO DE 1996. |
Que concepção de educação vai nortear a nova Lei? Apesar de deixar claro que a normatização refere-se à educação escolar, logo em seu primeiro artigo transmite uma visão alargada do conceito de educação, uma vez que contempla outros espaços formativos além daqueles escolarizados:
Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.
- § 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve, predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.
- § 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.
A Lei considera os espaços familiares e no trabalho, as manifestações culturais e os movimentos sociais, dentre outros, como locais e momentos de ensino e aprendizagem. Sobretudo, essa ideia carrega a possibilidade de uma educação que integra espaços formais e não-formais de aprendizagem. Por sua vez, no que se refere ao Direito à Educação e do Dever de Educar, resgata os mesmos aspectos que fazem parte da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Apesar de parecer repetitivo, vale a pena ver o seu artigo 4º, no qual o texto público mais uma vez reitera o dever do Estado em oferecer uma escola pública, gratuita e de qualidade, para todos os alunos:
Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:
- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
- universalização do ensino médio gratuito; (Redação dada pela Lei nº 12.061, de 2009)
- atendimento educacional especializado gratuito aos educandos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino;
- atendimento gratuito em creches e pré-escolas às crianças de zero a seis anos de idade;
- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;
- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
- oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola;
- atendimento ao educando, no ensino fundamental público, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde;
- padrões mínimos de qualidade de ensino, definidos como a variedade e quantidade mínimas, por aluno, de insumos indispensáveis ao desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem.
- vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade. (Incluído pela Lei nº 11.700, de 2008).
Uma alteração importante que tivemos na LDB refere-se à ampliação dos anos letivos do Ensino Fundamental, que a partir do ano de 2005 passou a ser de nove anos; assim, é dever dos pais ou responsáveis matricular os menores a partir dos seis anos de idade, e, caso não existam ofertas públicas de vagas em determinado município, o Ministério Público poderá ser acionado, com a consequente responsabilização das autoridades locais: encontramos aqui a importante ideia de direito público subjetivo. Essa mudança é percebida no artigo 5º:
Art. 5º O acesso ao ensino fundamental é direito público subjetivo, podendo qualquer cidadão, grupo de cidadãos, associação comunitária, organização sindical, entidade de classe ou outra legalmente constituída, e, ainda, o Ministério Público, acionar o Poder Público para exigi-lo. [...]
- § 4º Comprovada a negligência da autoridade competente para garantir o oferecimento do ensino obrigatório, poderá ela ser imputada por crime de responsabilidade.
- § 5º Para garantir o cumprimento da obrigatoriedade de ensino, o Poder Público criará formas alternativas de acesso aos diferentes níveis de ensino, independentemente da escolarização anterior.
Art. 6º É dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula dos menores, a partir dos seis anos de idade, no ensino fundamental. (Redação dada pela Lei nº 11.114, de 2005)
Você sabia que o acesso ao ensino fundamental é o único direito público subjetivo em todas as legislações brasileiras? A sociedade pode, assim, exigir das autoridades a existência de vagas no sistema público de ensino fundamental. No que diz respeito ao ordenamento do trabalho escolar anual, a LDB propõe, como obrigatoriedade, a ampliação do tempo linear (de 180 para 200 dias letivos, ou de 720 horas para 800 horas anuais) para a permanência dos alunos na escola. É o que dizem as disposições gerais da Educação Básica apontada no artigo a seguir:
Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns:
- a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver;
- a classificação em qualquer série ou etapa, exceto a primeira do ensino fundamental, pode ser feita:
- por promoção, para alunos que cursaram, com aproveitamento, a série ou fase anterior, na própria escola;
- por transferência, para candidatos procedentes de outras escolas;
- independentemente de escolarização anterior, mediante avaliação feita pela escola, que defina o grau de desenvolvimento e experiência do candidato e permita sua inscrição na série ou etapa adequada, conforme regulamentação do respectivo sistema de ensino;
- nos estabelecimentos que adotam a progressão regular por série, o regimento escolar pode admitir formas de progressão parcial, desde que preservada a sequência do currículo, observadas as normas do respectivo sistema de ensino;
Aliada a essa ampliação anual, a Lei introduz certa flexibilidade nas formas de organização do trabalho escolar, pois inclui a possibilidade de descolar a série do ano-calendário ou ano-civil, desde que cumprido os duzentos dias letivos. Segundo a compreensão dos legisladores, é admitido o planejamento das atividades letivas em períodos que independem do ano civil, de maneira a favorecer a inserção de alunos nos programas de escolarização institucional, em função de conveniências da população local, tais como fatores de ordem climática e econômica.
Art. 23. A Educação Básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
- § 1º A escola poderá reclassificar os alunos, inclusive quando se tratar de transferências entre estabelecimentos situados no País e no exterior, tendo como base as normas curriculares gerais.
- § 2º O calendário escolar deverá adequar-se às peculiaridades locais, inclusive climáticas e econômicas, a critério do respectivo sistema de ensino, sem com isso reduzir o número de horas letivas previsto nesta Lei.
Em concordância a essas novas possibilidades de funcionamento institucional, houve mudanças significativas também nos critérios avaliativos. No que se refere à avaliação, pode-se ler uma preocupação de se construir uma escola centrada nos ritmos de aprendizagem dos alunos, com a prevalência de critérios qualitativos e avaliações contínuas ao longo de todo o período escolar, e a oferta obrigatória de estudos de recuperação para alunos com baixo rendimento escolar. Busca-se, também, maior integração entre escola e comunidade, tanto no que diz respeito à obrigatoriedade e ao controle da frequência quanto na elaboração e na execução da proposta pedagógica. É o que se pode inferir do artigo 12:
Art. 12. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de [...]:
- articular-se com as famílias e a comunidade, criando processos de integração da sociedade com a escola;
- informar pai e mãe, conviventes ou não com seus filhos, e, se for o caso, os responsáveis legais, sobre a frequência e rendimento dos alunos, bem como sobre a execução da proposta pedagógica da escola; (Redação dada pela Lei nº 12.013, de 2009)
- notificar ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz competente da Comarca e ao respectivo representante do Ministério Público a relação dos alunos que apresentem quantidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual permitido em lei (Incluído pela Lei nº 10.287, de 2001)
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Ultrapassando fronteirasO FUNDEFAlém da LDB, uma inovação nesse período foi a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (FUNDEF), como mecanismo para o financiamento do Ensino Fundamental. O Fundo era constituído por uma cesta de recursos financeiros equivalentes a 15% de alguns impostos do estado e dos municípios. A criação desse Fundo tinha como objetivo a promoção da justiça social, a melhoria da qualidade da educação nacional e a valorização do magistério. Os recursos eram distribuídos de acordo com o número de alunos atendidos no Ensino Fundamental em cada rede de ensino. A Lei que instituiu no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal, o FUNDEF, pode ser encontrada no site do MEC. |
Mostramos que a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional procuravam garantir tanto a inserção de nossas crianças nas escolas quanto a ampliação de seus tempos lineares de escolaridade. Apesar de todas essas medidas normativas, a evasão e a repetência ainda continuam, bem como os indicadores de qualidade continuam baixos, como demonstram as provas e testes recentemente aplicados. Além disso, seguindo uma tendência mundial, os alunos afirmam que a escola é o último lugar para onde querem ir (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2005).
Perguntamos: Que significados nós tiramos desses dados e dessas afirmações? Como podemos mudar a cara de nossa escola, de forma a torná-la um local agradável, e que simultaneamente comprometam os alunos na busca de conhecimentos, melhorando os patamares de aprendizagem? Atualmente (re) surge, em diversos Estados e Municípios, a ampliação da jornada escolar para os alunos, isto é, a Proposta de uma Escola que funciona para além dos turnos parciais de quatro horas. Como foi trilhado esse caminho?
Voltemos à LDB. No seu Artigo 34, enfatiza a duração da organização tradicional em tempo parcial, e, no mesmo artigo, parágrafo segundo, coloca a possibilidade da ampliação deste tempo:
Art. 34. A jornada escolar no ensino fundamental incluirá pelo menos quatro horas de trabalho efetivo em sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período de permanência na escola.
- § 1º São ressalvados os casos do ensino noturno e das formas alternativas de organização autorizadas nesta Lei.
- § 2º O ensino fundamental será ministrado progressivamente em tempo integral, a critério dos sistemas de ensino. (grifo nosso)
Notamos que a Lei não obriga, mas recomenda a implantação do regime de tempo integral nas escolas de Ensino Fundamental. Nas disposições transitórias, encontramos novamente diante da indicação da ampliação dos tempos da jornada escolar. O Artigo 87 fala por si:
Art. 87. É instituída a Década da Educação, a iniciar-se um ano a partir da publicação desta Lei. [...]
- § 5º Serão conjugados todos os esforços objetivando a progressão das redes escolares públicas urbanas de ensino fundamental para o regime de escolas de tempo integral. (grifo nosso)
Atualmente, a proposta da construção de uma escola integral está na agenda das diretrizes educacionais do Governo Federal, dos estados e municípios do país, ancorada na melhoria da qualidade em educação. Este é o nosso próximo assunto na Unidade 3.
Créditos
CURSO DE APERFEIÇOAMENTO / ATUALIZAÇÃO: “EDUCAÇÃO INTEGRAL: ESCOLA E CIDADE”
MÓDULO 3 – DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO INTEGRAL NO BRASIL
UNIDADE 2 - Marcos Legais
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Autores:Juarez Melgaço Valadares (FAE/UFMG) |
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Referências bibliográficas:BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Brasília: Senado Federal, Centro Gráfico, 1988. 292 p. ____. Lei nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. ____. Lei n° 11.274 de 6 de fevereiro de 2006. Altera a redação dos arts. 29, 30, 32 e 87 da Lei n° 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dispondo sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 fev. 2006. ____. Decreto, nº. 6.253 de 13 de novembro de 2007, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB – regulamenta a Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 14 nov. 2007. ____. Portaria Normativa Interministerial n° 17, de 24 de abril de 2007. Institui o Programa Mais Educação que visa fomentar a educação integral de crianças, adolescentes e jovens, por meio do apoio a atividades sócio-educativas no contraturno escolar. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 abr. 2007. ____. Lei nº. 11.494, de 20 de junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB, de que trata o art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; altera a Lei nº 10.195, de 14 de fevereiro de 2001; revoga dispositivos das Leis n° 9.424, de 24 de dezembro de 1996, 10.880, de 9 de junho de 2004, e 10.845, de 5 de março de 2004; e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 jun. 2007. BRASIL. Presidência da República. Decreto n. 6094, de 24/04/2007. Dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, pela União Federal. Imprensa Nacional: Brasília, Diário Oficial da União, 26/04/2007b. |